OUGUELA
HISTÓRIA DE UMA ANTIGA VILA DO DISTRITO DE PORTALEGRE
HISTÓRIA DE OUGUELA
OUGUELA
-História e declínio de um Concelho-
Quem hoje se afasta de Campo Maior para norte, ou nordeste, encontra, a cerca de 10 quilómetros, uma povoação, Ouguela, de pouco mais de 60 habitantes. Um castelo de grandes dimensões, e que desde logo nos surpreende, domina a paisagem.
Trata-se de mais um caso de uma povoação que já teve alguma grandeza, e que conheceu um grande declínio, um pouco como sucedeu com Juromenha, e, em menor escala, com Terena, para já não falar de outras.
Algumas fontes antigas dizem que ali, existiu uma povoação romana chamada “Budua”, e que nos tempos visigodos, e até talvez árabes, se chamava Niguella. Não se sabe se há fundamentos para tais afirmações ou se estamos perante lendas.
Por volta de 1220 ou 1230, a região de Ouguela, bem como Campo maior, foi conquistada por leoneses. As duas localidades tornaram-se aldeias de Castela-Leão, com algumas situações de conflito sem grande importância, até que, em 1297, pelo tratado de Alcañices, passaram para Portugal, tal como, na região, Olivença (e Táliga). Ouguela (assim se passou a chamar) recebeu foral do mesmo tipo do de Évora, logo em 1298. Todavia, com Campo Maior e Olivença, dependeu do bispado de Badajoz até 1415. O castelo foi mandado reconstruir em 1300 (o que indica que já existia algo de fortificações no local, a não ser que se trate dum erro). Outras fontes indicam 1310, o que parece ser menos provável.
A importância de Ouguela, estava na sua posição estratégica, já que defendia um dos caminhos de entrada em Portugal, primeiramente conta Leão e Castela, depois contra a sua sucedânea Espanha.
Ouguela quase não é citada na crise de 1383-85, presumindo-se que terá sido anulada por Campo Maior, que se colocou do lado de Castela. Portanto, só terá regressado à coroa portuguesa entre 1348 e 1390. É muito possível que se tenham desenrolado combates na região, e que a população tenha sofrido com isso.
O seu castelo é várias vezes reforçado nos séculos XIV e XV, o que significa que mantinha a sua importância estratégica.
Em 1475, segundo a lenda e alguns documentos, ter-se-á travado um estranho combate singular entre João da Silva, alcaide-mor de Ouguela, e João Fernandes Galindo (Juan Fernández Galindo), alcaide-mor de Albuquerque (Espanha). Parece que um contigente castelhanho penetrara na vila. Ambos morreram dos ferimentos sofridos, tendo em 1551 Diogo da Silva, neto do alcaide-mor então falecido, a caminho do Concílio de Trento, mandado colocar no local de combate uma cruz comemorativa, hoje no museu de Elvas (Cruz de Galindo). Não se sabe o que haverá de fantasioso em tal episódio.
Em 1de Junho de 1512, Ouguela recebeu uma nova carta de foral (reinado de D. Manuel).
Claro que Ouguela, ou melhor, as suas gentes, terão participado na gesta dos descobrimentos iniciada no século XV, e terão vivido a decadência portuguesa da segunda metade do século XVI e do século XVII.
Em 1527, o numeramento (censo) de Portugal dava a Ouguela 144 fogos (cerca de 600 a 650 habitantes), ao lado de Campo Maior (cerca de 2900 habitantes), Alegrete (cerce de 1000 habitantes), Arronches (cerca de 3300 habitantes), Elvas (8900 habitantes), Olivença (4900 habitantes), Juromenha (600 habitantes), Terena (600 habitantes também), Vila Viçosa (3000 habitantes), Borba (3800 habitantes), Estremoz (4500 habitantes), Marvão (1700 habitantes), Monforte ( 2500 habitantes).
A guerra da restauração (1640-1668) levou novas agruras para a sua população. Datam dessa Época alguns troços de muralha com os primeiros trabalhos em 1647, mas que se estenderam pelo século XVIII.
Logo em 1642, Ouguela fora atacada, mas o exército espanhol não levara a melhor, conseguindo a vila resistir vitoriosamente. Um episódio semelhante ocorreu em 1644, mas aí os combates foram bem mais ferozes. A população resistiu com bravura, tendo várias lendas nascido na época.
Na memória popular ficou uma mulher, Isabel Pereira, que, segundo rezam documentos da época, se mostrou dotada de grande valentia, “quer pelejando nas trincheiras, [quer] repartindo pólvora e balas aos soldados; e retirada ao castelo ficou desacordada por algum espaço com a ferida que lhe deram, até que, tornando a si, e vendo que não era perigosa, prosseguiu a pelejar com maiores brios até ó fim”.
Em 1662, todavia, Ouguela rendeu-se sem resistência ao exército espanhol de D. João de Áustria. O capitão Domingos de Ataíde Mascarenhas, que deu a ordem de capitulação, foi depois severamente punido.
A paz de 1668 permitiu às terras raianas recomeçar a sarar as feridas, tanto do lado português como espanhol. Mas… novos conflitos se sucederam. Assim, em 1709 houve novas destruições em torno da vila, e em 1762 um rigoroso cerco, durante o qual o capitão Brás de Carvalho conseguiu resistir heroicamente.
Na obra “Corografia Portuguesa”, de 1708, de António Carvalho da Costa, tomo IF, duas páginas são dedicadas à vila de Ouguela; diz-se que a povoação tem mais de 700 habitantes, que o seu orago é Nossa Senhora da Graça, que tem casa da misericórdia na ermida do Espírito Santo. Mais, fala-se em ruínas antigas junto a uma ermida, são Salvador, a quatro quilómetros da vila, citada como tendo sido “Casa dos Templários”.
Diz-se ainda que Ouguela “é (…) abundante de pão, vinho, e gados, e [que] tem uma fonte com duas propriedades notáveis: uma, que toda a cousa viva, que se lhe lança dentro, morre logo, excepto rãs; e outra, que de maneira nenhuma coze carnes, nem legumes”. Mais, diz-se que a vila “tem dois juízes ordinários, vereadores, um procurador do concelho, um escrivão da câmara, um juiz órfãos com o seu escrivão, outro do judicial, e notas, e uma companhia de ordenança”. D. Pedro da Cunha, senhor de Tábua, é apontado como senhor de Ouguela.
A obra refere a lenda da igreja de Nossa senhora da Enxara, no caminho de Albuquerque, semelhante a tantas outras, nas quais uma divindade, ou uma estátua da mesma, indica o lugar onde se lhe deverá erguer um templo. Neste caso, é uma garota, e depois a sua mãe, que são escolhidas pela divindade. Descreve-se a imagem da Santa e opina-se que poderá ter origem visigótica. Refere-se que há muita devoção à mesma, e que pessoas de Campo Maior, e até de Castela, lhe pedem protecção, e visitam a Igreja.
É significativo, talvez, que não se refira a “lenda do tamborzinho”. Com as devidas reservas, tal poderá significar que esta, tão difundida em Ouguela, terá tido origem num facto ocorrido em 1709 ou em 1762. Dificilmente poderá ter tido lugar mais tarde.
A lenda diz que estando Ouguela cercada durante uma guerra (não se indica qual), e não sendo possível pedir socorro a Campo Maior, uma criança terá descido pela figueira que ainda hoje se vê junto á muralha, transportando uma bandeira e uma mensagem escrita, e talvez um tamborzinho com que costumava brincar. Não tendo levantado suspeitas no campo espanhol, ultrapassou as linhas inimigas e chegou a Campo Maior, entregando a mensagem no hospital. Diz-se que Ouguela terá tido um brazão inspirado nesta lenda, mas nada consta em documentos. Afinal, esta lenda reflecte a vivência de posto militar raiano das gentes de Ouguela.
Tudo isto terá influído no sentido de, em 1800, haver em Ouguela só 24 vizinhos “dentro” da vila e 20 fora (cerca de 200 habitantes, talvez). Em 1801, durante a Guerra das Laranjas, após a conquista de Olivença e Juromenha, Campo Maior rendeu-se ao exército espanhol, mas só depois de violento cerco e de muita resistência (15 de Junho). Ouguela não foi atacada, mas caída Campo Maior era um espinho nas costas do inimigo. 460 espanhóis, simulando um maior número pela disposição no terreno, aproximaram-se do castelo. O governador, Jóse Joaquim Queirós, acabou por entregar Ouguela ao atacante, já que não havia qualquer possibilidade de resistência (esta descrição encontra-se no Livro “A Guerra das Laranjas/A perda de Olivença”, de António Ventura, 2004, Ed. Prefácio).
Até 1811, decerto houve alguns conflitos em terras em redor de Ouguela, mas de pouca monta, pois quase nada chegou até nós. Os vários conflitos do início do século XIX pouco rasto deixaram na região.
A novidade seguinte, pouco alegre para a vila, é que em 1836 se extinguiu o concelho, sendo unido a Campo Maior. A decadência, que já vinha do século XVIII, reflectia-se a nível administrativo. E algo pior sucedeu, quando Ouguela deixou de ser freguesia e foi anexada a São João Baptista (Campo Maior) (1941).
É um pouco triste seguir esta história. Uma povoação nasceu e cresceu, teve momentos de alguma grandeza e de glória… e iniciou um processo de decadência.
Algumas quadras populares falam de Ouguela. Uma refere-se à sua grandeza:
Bela cidade de Ouguela
Dá vistas à lapagueira
Mal empregada cidade
Estar em tão alta ladeira
A lapagueira será um acidente geográfico.
Outra ironiza com a sua decadência, e, com algum sentido de humor, reza assim:
Adeus vila de Ouguela
Que não há vila mais nobre
Para teres vinte ruas
Faltam-te só dezanove
Assim é a roda da história. Olhando as velhas muralhas, a que não falta ainda opulência, sentimos-nos comovidos. Uma inscrição em latim, num dos arcos, informa-nos de uma divisa dos seus antigos defensores e moradores. “pro patria, pro rege et pro fide, aut vincere, aut mori” (pela pátria, pelo rei, e pela fé, vencer ou morrer).
O tempo é (mesmo) implacável.
Há, todavia, que pensar no futuro. Ouguela, hoje com apenas cerca de 60 habitantes, terá de procurar reerguer-se. O seu castelo, que já foi palco de filmagens de séries de televisão, tem uma beleza indesmentível. Há que ser-se imaginativo e ter força de vontade, e aproveitar tão vetusto monumento. Agora já não, porque felizmente tal não é necessário, como lugar de defesa, mas quiçá, como lugar de encontro, entre as raias alentejana e extremenha.
Que esta singela história da antiga vila, hoje “lugar”, de Ouguela, abra caminho nesse sentido, seja um primeiro passo, eis o meu sincero desejo.
Estremoz, 2 de Novembro de 2005
Carlos Eduardo da Cruz Luna
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