ALANDROAL
BREVE HISTÓRIA DO ALANDROAL
1)INTRODUÇÃO / OS PRIMÓRDIOS
Fica a vila do Alandroal a cerca de 12 quilómetros do Guadiana (margem Oeste/Direita),
cerca de 35 Quilómetros a sudoeste de Elvas, 45 a Es-nordeste de Évora, 10 quilómetros ao
Sul de Vila Viçosa, 23 a oeste de Olivença, e cerca de 40 a norte de Reguengos de
Monsaraz. É uma vila do interior de Portugal, da província do Alentejo e do Distrito de
Évora.
É muito difícil dar indicações seguras sobre a sua origem. Situa-se numa região onde
há vestígios pré-históricos de vários tipos. Também não faltam vestígios romanos .
Esclareça-se que, neste trabalho, quase nunca se entrará em linha de conta com Juromenha,
Terena, e Capelins, que foram Concelhos independentes até ao início do século XIX, e
sobre os quais há ensaios históricos publicados.
Na época de domínio muçulmano, é quase certo ter existido algo de alguma importância,
já que vários investigadores acreditam ver vestígios desses tempos no próprio castelo, o
que, todavia, se poderá explicar de outra forma, como adiante se verá. Foi unida a
Portugal, primeiramente, por D. Afonso Henriques, em 1167. D. Sancho I, o filho, tê-la-á
doado à Ordem de Avis. Mas, por volta de 1190, perdia-se, e só na época de D. Sancho II,
talvez em 1228, os muçulmanos a deixaram de vez.
Reza a tradição (e há documentos) que terá sido fundada, na usa "forma" moderna, no
reinado de D. Dinis, em 1294-98, com edificação do Castelo, por D. Lourenço Afonso, nono
Mestre da Ordem de Avis, de que passou a ser comenda. D. Dinis, ao que parece, mandou
reforçar, logo em 1312, com 17 torres, a fortaleza. Uma inscrição na mesma, em letras
góticas, esclarece que foi um mouro, de nome Galvo, que foi o seu arquitecto. A dúvida
reside em saber se os vestígios muçulmanos no local derivam da técnica do provável
construtor, ou se significarão uma qualquer presença anterior efectiva muçulmana nele. A
primeira hipótese afigura-se mais razoável. De qualquer forma, o Castelo Medieval, que
está a um altitude de 343 metros, já revela algumas adulterações, pois até no século XVII
sofreu pequenas modificações. Mesmo assim, conservam-se ainda três portas ogivais e
muitos panos e muralha quase intactos, para além de cubelos e torreões. De notar as
muitas inscrições existentes, pois quase não há torre ou porta que não contenha uma lápide. Recordemos que um Castelo, então,
não era um monumento. Era uma necessidade.
Não espantam os cuidados com as muralhas, pois o Alandroal situava-se em zona
fronteiriça. Só em 1297 ficaram definidos os limites, digamos, internacionais, mas,
claro, continuou a ser uma praça raiana. Os castelos de Terena, Juromenha, Monsaraz,
Olivença ( os mais próximos do lado português) aí estavam para o mostrar, bem como, do
lado espanhol, entre outros, se destacava Alconchel.
O nome Alandroal deve-se, tudo o indica, ao facto de existirem aloendros, ou
aloandros, ou loandros, ou, modernamente, loendros, em grandes quantidades no local. É
lógico que se chamasse Landroal (campo de loandros) à povoação. Depois, evoluiu para
Alandroal... embora, a nível de oralidade tradicional, a velha forma seja muito comum
. 2)O ALANDROAL NA CRISE DE 1383-1385
Azeite, cereais, gado, e algum minério de ferro, faziam do Alandroal uma terra
apetecida. Todavia, a sua autonomia era relativa, pois não tinha foral régio, como Vila
Viçosa, Juromenha, Terena, Monsaráz, ou Redondo.
A crise de 1383-1385 vai tornar o Alandroal conhecido. Na verdade, em 1383, o seu
alcaide, Pero (ou Pedro) Rodrigues da Fonseca, vai aderir aos revolucionários partidários
de D.João, Mestre de Avis, ao contrário dos alcaides vizinhos de Vila Viçosa, Campo
Maior, e Olivença, que optaram por ser partidários de D. Beatriz, casada com João I de
Castela. E, se já era uma coincidência os dois candidatos ao trono português terem o
mesmo nome, uma coincidência maior se verificou na região. Na verdade, o Alcaide de
Olivença tinha o mesmo nome (Pero Rodrigues da Fonseca) do do Alandroal. Como os dois
estavam em campos opostos, e houve combates, alguns observadores e historiadores menos
atentos, crendo tratar-se de uma só pessoa, têm produzido alguns dos textos mais cómicos
que se possa imaginar. De qualquer forma, em 1389, Olivença, Vila Viçosa, e Campo Maior
estavam já subordinados a Lisboa.
Pero Rodrigues da Fonseca ficou a ser alcaide de duas povoações (Alandroal e
Olivença). Os seus feitos são lembrados nos Lusíadas (séc. XVI), e o seu nome perpetua-se
nuns pequenos bolos locais (os "Pero-Rodrigues"). Os descendentes deste personagem, ao
que parece, tomaram o apelido de "Encerrabodes", uma referência, diz-se, ao facto de um
grupo de castelhanos ( os "bodes") ter ficado cercado ("encerrado") num combate. Como
não me canso de repetir, as Guerras são um tipo de acontecimento em que o bom senso quase
nunca está presente. Algo a evitar, portanto.
3) AS CARTAS DE FORAL E OS SÉCULOS XV E XVI
Não se sabe muito do que sucedeu no Alandroal no início do século XV. Relevante,
mesmo, foi a atribuição de Foral pelo rei D. João II, em 1486. A vila ficava equiparada
às povoações vizinhas, que depois ultrapassaria (Terena e Juromenha, por exemplo), mas
não há muitos dados sobre a evolução da população.
Só no Numeramento de 1527-1573, o mais antigo de Portugal, e quase sempre citado
nestes trabalhos, o Alandroal é referido, com 284 fogos, ou cerca de 1100 habitantes.
Pode-se então compará-lo com as povoações vizinhas, como Juromenha com 150 fogos (pouco
mais de 600 habitantes, ao que se julga), Elvas (1916 fogos, cerca de 7000 habitantes),
Olivença (1053 fogos, cerca de 4000 habitantes), Vila Viçosa (talvez 800 fogos e cerca de
3000 habitantes), Estremoz (969 fogos, aproximadamente 3200 habitantes), Borba (600
fogos, cerca de 2300 habitantes), Terena (170 fogos, talvez 650 habitantes), Ouguela 144
fogos (cerca de 600 a 650 habitantes). Campo Maior teria cerca de 2900 habitantes,
Alegrete cerca de 1000 habitantes, Arronches 3300 habitantes, Marvão 1700 , Monforte
2500. Évora, a capital da Província do Alentejo, teria entre 12 000 e 15 000 habitantes.
Surpreende um pouco, mas parece provar-se que o Alandroal, mesmo sem foral régio, terá
tido umas razoáveis dimensões, já que não parece crível que entre 1486 e 1527 tenha
crescido ao ponto de ultrapassar Juromenha, Terena, Ouguela, e Alegrete. Seria uma
comenda consideravelmente rica da Ordem de Avis. è possível que tenha ganho algo, também,
com o protagonismo do seu Alcaide Pero Rodrigues da Fonseca "Encerrabodes". Por outro
lado, os Mestres de Avis eram seus donatários... e tinham passado a ser reis.
Já no reinado de D. Manuel I, o Alandroal recebe uma confirmação da sua Carta de Foral
( 1514 ), quando era seu alcaide Diogo Lopes de Sequeira, que foi o quarto governador da
Índia portuguesa e que dotou a vila de um hospital e de outras obras de utilidade pública.
Como sucedeu por todo o Alentejo, o Alandroal viu muitos dos seus filhos participar na
epopeia dos Descobrimentos. A esmagadora maioria mal é recordada. Entretanto, ficaram
monumentos, como a Igreja matriz ( influências renascentistas, entre outras), a Igreja da
Misericórdia (enriquecida posteriormente com elementos barrocos). Um pouco mais antiga
(século XV), encontramos a Ermida de Nossa Senhora das Neves.
Naturalmente, a partir do primeiro quartel do século XVI, a crise que se viveu deve
ter sido nele sentido. O resultado for, por exemplo, a União Ibérica (1580-1640).
Desde muito cedo que o Alandroal teve também fama de ter águas e ares com virtudes
quase medicinais. Muitos forasteiros a demandavam com esse propósito. São dessa época as
principais referências ao facto, ainda que não as mais antigas. A povoação parecia imune,
ou quase, a epidemias. Dizia-se que as matas de aloendros (loendros) podiam ser as
responsáveis.
4) A RESTAURAÇÃO/ANTIGO REGIME
Da época do Domínio filipino pouco se sabe. Há notícias de no Paço dos Alcaides,
dentro do Castelo, ter vivido uma personagem importante, D. Brites de Lencastre, e que aí
casou a sua filha, D. Isabel, com o marquês de Vila Real, D. Miguel de Menezes, em 1604.
A Guerra da Restauração veio, necessariamente, causar transtornos. Fizeram-se alguns
reparos nas muralhas. D. João IV mandou chamar um natural da localidade, António Álvares,
então frade em Braga, para lhe entregar trabalhos de fortificação e o comando da
artilharia.
Em 1656, os espanhóis chegaram a ocupar a vizinha Terena por alguns dias. Combates
violentos se verificaram então. E, em 1657, a ocupação de Olivença pelas forças de Madrid
(até à Paz de 1668) trouxe ao Alandroal centenas de refugiados daquela povoação. Entre
1659 e 1665, ocorreram várias batalhas, as mais violentas da Guerra, a poucos quilómetros
a norte. Tudo isto teve consequências na vida da localidade.
O final do Século XVII e o século XVIII não parece terem perturbado muito a vida
local. Poucos monumentos foram construídos, mas alguns dos existentes receberam
pormenores e acrescentos barrocos.
Por outro lado, a acção repressiva da Inquisição, particularmente sentida no Alentejo
e enfraquecendo nomeadamente uma incipiente burguesia local, não facilitava a busca de
novos caminhos. Ter ideias ou ter demasiada imaginação era perigoso...
Sentia-se, no século XVIII, uma necessidade de racionalização da estrutura
administrativa do País. Por exemplo, para alguns aspectos burocráticos, o Alandroal
dependia da Comarca de Avis, enquanto Terena, Juromenha, Vila Viçosa, e Olivença,
dependiam de Vila Viçosa. Para outros dependia de Elvas. Todos os projectos de Reforma
não tiveram seguimento. Só no fim de século surgiu um projecto que parecia ir ser
implementado
.
5)INVASÕES FRANCESAS/LIBERALISMO
Todavia, novos acontecimentos viriam perturbar a região. A Revolução Francesa agitava
a Europa. Em 1801, a Espanha, apoiada pela França, invadiu o Alentejo (Guerra das
Laranjas), e ocupou a Região de Olivença e a aldeia de Vila Real de Juromenha. O
Alandroal sempre estivera muito ligado às terras perdidas, e, embora a Ponte da Ajuda,
entre Elvas e Olivença, estivesse danificada desde 1709, as economias tinham muita
complementaridade. Logo, houve consequências negativas para o Alandroal. Note-se que,
durante todo o século XIX, muitos oliventinos, abandonando a sua terra de origem, se
vieram a fixar na vila.
As invasões francesas (1807-1811-12) tiveram também influência na região. Em 1808,
houve guerrilhas anti-francesas, e alguns combates de 1811 não se deram longe. Algumas
terras próximas, como Ciladas, sofreram bastante.
O liberalismo e a Guerra Civil (1820-23; 1832-34)deixaram algumas marcas também,
embora não muito relevantes. Alterações, mesmo, deram-se em 1835-36, quando ao Alandroal
foram anexados os extintos Concelhos de Juromenha, Terena, e Ferreira de Capelins, este
último um pequeno município originário da Idade Média.
O novo e alargado município do Alandroal foi integrado no novo “departamento” de
Montes Claros, que logo viu o seu nome mudado para, muito simplesmente, Distrito de
Évora. As ordens religiosas foram entretanto extintas, pelo que muitas propriedades da
região passaram para novos senhores, mantendo-se a estrutura latifundista.
Uma curiosidade se mantém até hoje: o Concelho do Alandroal não tem fronteira
internacional definida entre no Guadiana entre a “boca” da Ribeira de Alconchel/Táliga e
o Concelho de Elvas (onde se verifica a mesma situação, mas num troço ínfimo dos seus
limites). Isto porque Portugal não reconhece a administração espanhola sobre Olivença, e
muito menos sobre a Aldeia de Vila Real, em frente de Juromenha, e que, talvez, devesse
fazer parte do Alandroal. Uma curiosidade, sem dúvida.
A partir de 1852 (Regeneração) notou-se algum progresso (o caminho-de-fero chegou à
vizinha Vila Viçosa, por exemplo) e algum aumento de população, mas poucas reformas de
fundo foram levadas a cabo. A assimetria característica de Portugal, com o aumento de
peso do litoral em relação ao interior, que já vinha do século XVIII, ia-se agravando. E
revelou-se ilusória a sensação de “aumento de poderio” resultante da união num só de
quatro antigos municípios.
6)A REPÚBLICA E O SALAZARISMO
A proclamação da República, em 1910, encontrou algum eco na região, existindo mesmo um
célebre jornal (o “PERO RODRIGUES”) de cariz revolucionário que ficou célebre. Por outro
lado, com o fim da Monarquia, Vila Viçosa perdeu importância, e é provável que o
Alandroal, a dez quilómetros, se ressentisse um pouco disso mesmo.
Algumas tentativas de modernização, meritórias, foram feitas, instalando-se mesmo uns
rudimentos de Indústria, predominantemente ligada à agricultura e à criação de gado.Assim
surgiram duas fábricas de moagem. Manteve-se, todavia, o predomínio do latifúndio, que o
Estado Novo (1926-1974) não pôs em causa. Infelizmente, tal modelo, a que as campanhas do
trigo do Regime não trouxeram a médio e longo prazo nenhuma melhoria, estava esgotado por
volta de 1950. As actividades tradicionais ao longo do Guadiana não tiveram também
energia para evoluírem e abrir novos caminhos de progresso.
A partir da década de 1950, a população, que fora crescendo (quase 11 000 habitantes
em 1950), conheceu um movimento contrário. A emigração tornou-se um flagelo. O
descontentamento social, principalmente entre os assalariados agrícolas, apesar da
repressão, ia-se tornando evidente, e que se reflectiu, depois de 1974, num predomínio
eleitoral comunista até quase ao ano 2000
7) TEMPOS ACTUAIS
De uma forma ou de outra, o 25 de Abril de 1974 abriu novas portas. Tentou-se uma
Reforma Agrária, algo incipiente, que encheu de esperança muita gente. Contudo, por volta
de 1980, tudo estava praticamente terminado. As esperanças passaram para a conclusão da
Barragem do Alqueva e para as potencialidades que esta iria desenvolver.
A entrada na União Europeia também foi vista como positiva. A colaboração com Espanha
tornou-se mais fácil, e esboçaram-se projectos comuns. Continua a ser difícil, contudo,
produzir riqueza com origem na região, para que não se caia em situações de
subalternização e dependência, o que é difícil dada a política tradicional do Poder
Central, que mantém as regiões periféricas, e portanto o Alandroal, numa situação de
marginalidade. O encerramento das ligações ferroviárias (caso da de Vila Viçosa, útil
para a vila) e o constante encerramento de serviços por todo o País são disso um exemplo.
A população do Município tem vindo a diminuir. Em 1991, pouco ultrapassava os 7 000
habitantes, e a tendência mantém-se (6 400 habitantes em 2002).
A inauguração de uma nova Ponte sobre o Guadiana, em 11 de Novembro de 2000, entre
Elvas e Olivença, pouco tem beneficiado o Alandroal, histórica e tradicionalmente, como
vimos, muito ligado a este Concelho, pois não existe ainda (apesar de prometida desde
sempre!) uma ligação directa à nova infra-estrutura. É ridículo ter-se de ir do
Alandroal a Elvas para se aceder à estrada para a referida Ponte, avistando-se por vezes
a mesma pelo caminho sem que se possa chegar directamente a ela. Um absurdo!
O Alandroal procura fazer das fraquezas forças. Assim, procura aproveitar o facto de
no seu território actual se contarem três castelos (Alandroal, Terena, e Juromenha), e um
extraordinário santuário pré-histórico e romano (Deus Endovélico, em terras de Terena),
para se projectar turisticamente. Procura-se também levar a cabo eventos com ecos
transconcelhios. Por outro lado, o Alqueva, já concluído, é visto como uma nova
oportunidade para a agricultura e para o desenvolvimento em geral... havendo a lamentar,
todavia, o fim de toda uma série de actividades, algumas milenares, ligadas ao Guadiana.
Todavia, se o projecto for explorado com sabedoria, terá valido a pena. Críticos há,
contudo, que são da opinião de que as águas do novo lago estão a ameaçar ser exploradas
de forma errada, olhando-se mais para lucros imediatos, talvez precários a médio e longo
prazo, do que para formas de desenvolvimento sustentado, previstos originariamente.
Espera-se que o Alandroal saiba encontrar caminhos prósperos para o futuro. Isso
dependerá, em primeiro lugar, de si próprio, e, depois, de políticas correctas, racionais
mas humanistas, a incentivar pelo Poder Central.
Termino com uma quadra popular, ouvida aqui e além, onde se homenageia a fonte
monumental, com seis bicas e brasão do século XVIII, orgulho da vila:
Bonita cidade é Elvas,
que tem Badajoz defronte,
mais bonita é Landroal,
que tem seis bicas na Fonte!
Estremoz, 21 de Dezembro de 2007
Carlos Eduardo da Cruz Luna
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