quinta-feira, 6 de outubro de 2011

CULTURA ALENTEJANA E PORTUGUESA



A VELHA CULTURA ALENTEJANA (ANTES QUE DESAPAREÇA)
SÓ EM PORTUGUÊS E NUMERADAS: UM TRABALHO ÉPICO DE DOIS DIAS (POESIA TRADICIONAL
OLIVENTINA: 94 QUADRAS, AS PRIMEIRAS 76 RECOLHIDAS POR VENTURA LEDESMA ABRANTES

UM TRABALHO ÉPICO DE DOIS DIAS (POESIA TRADICIONAL OLIVENTINA: 94
QUADRAS, AS PRIMEIRAS 72 RECOLHIDAS POR VENTURA LEDESMA ABRANTES(décadas de 1930 e
1940)), 2 de dois habitantes de São Jorge de Alor na década de 190, as últimas 20
recolhidas pelo Prof. Hernâni Cidade, na década de 1950 e 1960

1-Ó Vila Real dos coxos,/
São Bento dos aleijados,/
São Domingos dos bons moços,/
São Jorge dos mal talhados

2-A fonte do Val de Gral /
está no alto da Serra d´Olor./
É água que a ninguém faz mal,/
e dali bebe o meu amor.

3-O meu coração é teu,/
o teu é de quem tu queres./
Uma troca faria eu,/
lindo amor, se tu quiseres.

4-Se eu tivesse não pedia/
coisa nenhuma a ninguém./
Mas, como não tenho, peço/
uma filha a quem a tem.

5-Daqui para a minha terra/
tudo é caminho e chão!/
Tudo são cravos e rosas/
postos pela minha mão.

6-Silva verde não me prendas/
que eu não tenho quem me solte;/
não queiras tu, silva verde,/
ser causa da minha morte.

7-Azeitona pequenina/
também vai ao lagar;/
eu também sou pequenina/
mas sou firme no amar.

8-Saudades, tenho saudades,/
saudades das feiticeiras./
Lembrança das amizades/
da "Terra das Oliveiras".

9-A laranja quando nasce/
logo nasceu redondinha;/
tu também quando nasceste,/
nasceste para ser minha.

10-Na vila de Olivença/
não se pode namorar!/
As velhas saem ao Sol/
e põem-se a criticar!

11-Tenho corrido mil terras,/
cidades mais de quarenta,/
tenho visto caras lindas,/
só a tua me contenta.

12-Adeus largo do Calvário,/
por cima, por baixo não./
Por cima vão os meus olhos,/
por baixo, meu coração.

13-O Monte de Santa Maria/
tem vinte e quatro janelas.
Quem me dera ser pombinho/
para pousar numa delas.

14-Esta noite choveu neve/
no gargalo do meu poço;/
todas as rosas abriram/
menos o meu cravo roxo.

15-Abalei da minha terra,/
olhei para trás chorando./
Adeus terra da minha alma,/
que longe me vais ficando.

16-Eu sou ganhão da ribeira,/
da ribeira sou ganhão./
Lavro com dois bois vermelhos/
que fazem tremer o chão.

17-Ó minha mãe, minha mãe,/
companheira de meu pai!/
Eu também sou companheira/
daquele cravo que ali vai!

18-Eu tenho uma silva em casa/
que me chega à cantareira./
Busque meu pai quem o sirva/
que eu não tenho quem me queira.(/)
(mais lógico: que eu já tenho quem me queira.)

19-O Sol, quando nasce, inclina/
nas barrancas do Guadiana./
Eu também ando inclinado/
nesses teus olhos, Mariana!

20-Eu já vi um valentão/
à briga com uma cidade;/
logo ao primeiro encontrão/
derrubou mais de metade!

21-Eu sou guarda no Freixial,/
lá nas bandas do Guadiana./
Já matei um pato real/
com uma espingarda de cana.

22-Quando eu era pequenino,/
ainda não sabia andar,/
já minha mãe me dizia/
"que fino é para namorar".

23-Fui à Serra colher trevo,/
ancontrei o trevo colhido./
Estou se sim ou não me atrevo/
a arranjar amores contigo.

24-Quem me dera, dera, dera,/
quem me dera, dera, dar,/
beijinhos até morrer,/
abraços até cansar.

25-Quando eu principiei a amar/
de amores não entendia;/
agora já fiquei mestre/
daquilo que não sabia.

26-Cantigas são pataratas,/
às vezes leva-as o vento./
Quem se fia de cantigas/
é falto de entendimento.

27-Já lá vai Abril e Maio,/
já lá vão esses dois meses,/
já lá vai a liberdade/
que eu tinha contigo às vezes

28-Eu quero bem, mas não me queres/
dizer a quem quer(es) bem./
Eu quero bem a uma ingrata,/
dizê-lo não me convém.

29-Eu quero contigo passas,/
eu quero contigo figos,/
eu quero que tu me faças/
o que eu fizer contigo.

30-Margarida, a tua vida/
não a contes a ninguém,/
que uma amiga tem amigos,/
e outra amiga, amigos tem.

31-Lindos olhos tem meu par,/
ainda agora reparei./
Se reparasses mais cedo,/
verias como eu amei.

32-Meu amor, meu amor,/
meu amor, nada é vão!
Eu dou-te a minha vida,/
tu dás-me o teu coração.

33-Os meus olhos com chorar/
fizeram covas no chão.
Coisa que os teus não fizeram,/
nem fazem, nem farão.

34-Se eu soubesse que voando (Pronúncia tradicional:"qu´avoando")/
alcançava os teus carinhos,/
mandava fazer umas asas/
de papel encarnadinho.

35-Toda a vida fui pastor,/
toda a vida guardei gado;/
tenho uma chaga no peito/
de me encostar ao cajado

36-Pombinha, "avoa", "avoa" (=voa, voa),/
que está caçador na horta./
Em pondo a espingarda à cara/
logo a pombinha cai morta.

37-Não esmoreças, cão carocho,/
que amanhã tens "fartadela" (=abundância);/
já morreu o filho mocho,/
filho da cabra amarela.

38-Meu amor, lá de longe,/
lá de longe me mandou/
um lencinho molhadinho/
das lágrimas que chorou.

39-Camarada, amigo meu,/
não vivas apaixonado./
Quem teve a culpa fui eu,/
eu é que fui o culpado.

40-Teu pai e tua mãe não querem/
lindo amor que eu te logre;/
queiras tu e queira eu,/
que com amor ninguém pode!

41-Quando eu era pequenino/
que jogava o "repião"(pião)/
davam-ma as moças beijinhos;/
agora já não me dão!

42-O meu amor ontem à noite/
a sua vida me contou,/
e que se ia deitar a um poço.
Se ele vai, eu também vou!

43-Meu amor quer que tenha/
juízo e capacidade./
Tenha ele que é mais velho,/
já vai caindo na idade.

44-Homem alto e delgadinho/
é a minha inclinação,/
que aqueles que são baixinhos/
nem para ver a Deus são.

45-Fita verde no chapéu,/
ao longe mete aparência./
Quantos amores se perdem/
pela pouca "diligência".(=cuidado na aparência)

46-És branca como o leite,/
corada como a cebola;/
amores, quantos quiseres,/
casar contigo,... xó rola!

47-Minha mãe ouviu lá fora/
tu jurares devagarinho,/
dizer-me que me querias/
e roubares-me um beijinho!

48-Eu prometo voltar breve,/
ir de joelhos à cidade,/
se me sares da doença,/
Nosso Senhor da Piedade.

49-Eu também já fui à festa/
e fiz promessas a Deus
de voltar no Ano Novo
a dançar no São Mateus.

50-Tenho o coração negrinho/
deitado neste teu peito;/
não fales alto-baixinho/
assim é que me dás jeitinho.

51-Eu já não gosto de ti,/
tenho o coração sovado./
Tenho agora amores novos/
deixei já os teus cuidados.

52-Adeus, que me vou embora/
para a terra das andorinhas;/
deita cartas no correio/
se quiseres novas minhas

53-O meu amor é aquele/
que não tira o chapéu;/
passa por mim, não me fala,/
mostra-me cara de réu.

54-Estreei minha saia nova,/
minha blusa, meu vestido./
Levarei tudo para a cova/
se não queres ser meu marido.

55-Não posso ser teu marido/
ainda que tu digas "sim";/
vê lá tu, meu querido,/
como as coisas são assim.

56-Se tu souberas bem ler/
nos meus olhos o feitiço,/
verias como se quer/
a paixão ao seu derriço.(=anamorado)

57-Baila, não cantes tanto,/
que o bailar é espavento;/
as cantigas que eu canto/
não são cantigas ao vento.

58-Porque esperas, meu bom moço,/
que eu viva tão requeimada?/
Só se fores como o poço:/
muita água... e não tem nada!

59-Alto lá, meu bem formoso,/
não digas isso a cantar!/
És um pau carunchoso,/
e não te posso aguentar!(=suportar)

60-Olha bem para o meu peito,/
onde está o coração;/
vê lá se disto há direito,/
diz-me agora: sim ou não!

61-Acabou-se a brincadeira,/
não metas mais a colher!/
Bate agora à dianteira,/
que tu vais ser minha mulher!

62-Anda cá para os meus braços/
se tu vida queres ter,/
que os meus braços dão saúde/
a quem está para morrer!

63-Os olhos daquela aquela,/
os olhos daquela além,/
os olhos daquela flor/
são os olhos do meu bem!

64-O meu amor é um cravo/
que ao craveiro fui colher;/
para o craveiro dar outro/
tem de voltar a nascer.

65-Não há luar mais formoso/
que o da noite de São João,/
nem luz que mais ilumine/
o meu pobre coração!

66-Comprei arrecadas de ouro/
na feira de São Mateus;/
lembranças do meu tesouro/
e dos beijos que ele me deu.

67-António, meu oratório,/
meu espelho de vestir;/
quem tem amores com António/
volta ao céu e torna a ir!

68-Minha mãe, quando eu casei,/
prometeu-me quanto tinha./
Depois que me viu casada/
deu-me um saco de farinha!

69-O coração já está preso,/
não cantes mais "soledade" (=solidão)./
Já o virei do avesso/
para curar a saudade.

70-Já morreu o vil traidor,/
para os infernos muitos anos;/
quis vender o nosso povo/
ao poder dos castelhanos.(*)

71-Cosmander foi um vilão/
ao serviço dos "mariolas",/
mas teve morte de cão/
com sepultura de esmola.(**)

72-Era um diabo, um malvado,/
sem honra nem coração;/
dorme, filho, descansado,/
que já morreu esse cão!(***)

((*), (**), (***)- referências a João Pascácio Cosmander, ou Jan Ciermans, um flamengo
(belga ou holandês) que, estando ao serviço do exército português em 1640, resolveu trair
e por-se do lado de Castela. Tentou um ataque traiçoeiro a Olivença, mas foi morto pelo
oliventino Gaspar Martins)

73-As mocinhas lá em São Bento,/
todo o seu traje é um:/
sapatos de cinco bicos,/
e as meias da cor do cu. (ouvida em São Jorge, 1991, a Eduardo Godinho)

74-Toda a mulher que é bonita/
não devia de nascer./
É como a pera madura,/
todos a querem comer! (ouvida em São Jorge, 1992, a Severiano Nunes)

_______________________________________________________________________________
OUVIDAS POR HERNÂNI CIDADE, NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960, EM OLIVENÇA

75-Brinca, menina, brinca,/
não tires os sapatinhos,/
que a água está gelada/
e espantas os borreguinhos

76-As flores do meu canteiro/
dizem-me todos os dias/
as conversas que tu tens/
sem esquecer as picardias.

77-Cheguei agora da horta/
com um braçado de flores,/
Deus bem sabe que eu vinha/
pensando nos meus amores./

78-Falei contigo uma noite/
e não sei como te via,/
os teus olhos tinham luz/
e a noite parecia dia.

79-Vesti ontem saia nova,/
fui logo fazer promessa./
O Padre ralhou comigo
gritando: «Não tenha pressa»!

80-Sonhei contigo uma noite,/
pensando que me querias./
Despertei toda assustada/
sem saber o que dizias.

81-Sou leiteira, vendo leite,/
também vendo requeijão./
Falarei ao meu amor/
Quando tenha ocasião.

82-O Amor enquanto é novo/
ama com todo o cuidado./
Depois que vai para velho,/
mostra papel de enfadado.

83-Vamos cantar os Reis/
à porta do lavrador,/
que tem a mulher bonita/
e a filha que é uma flor.

84-Ao poço da tua rua/
fui ontem beber água./
Tinha secado de noite/
com pena da minha mágoa.

85-Vi-te à janela uma noite/
chorando penas, aflita./
A Lua batia no rosto/
mostrando a tua desdita.

86-Meu coração chora sempre/
as lágrimas de uma santa;
são queixumes portugueses/
que se ouvem na barranca.

87-Canta alegre o coração,/
canta bem a despedida;/
já não têm luz nem morrão/
os olhos da minha vida.

88-Romeiro dos meus amores,/
Deixa cantar a canção;/
são tristezas e são flores/
que saem do coração.

89-Adeus, perfumes e flores,/
Azeite da minha candeia,/
adeus flores dos meus amores,/
adeus casinhas da aldeia.

90-Dos beijos que me destes/
guardo o bafo no coração./
Quando fores ao Guadiana/
ouve bem esta canção.

(REPETIDA:)
91-Saudades, tenho saudades,
saudades das feiticeiras.
Lembrança das amizades
da "Terra das Oliveiras".

92-Doce Jesus da minha alma,/
doce Jesus da minha vida,/
quando chegará a hora/
da minha doce partida?

93-Oh, senhores, eu vi-a Coxa/
Lá no largo do Rossio,/
com uma canastra à cabeça/
vendendo o belo safio.

94-O safio estava podre,/
estava podre e não se vendia,/
e a pobrezinha da Coxa/
em vez de ganhar, perdia





O QUE SE SEGUE É UM ESFORÇO, QUASE DESCONHECIDO, DE RECUPERAR CULTURA ALENTEJANA E PORTUGUESA, A QUE JORNAIS E REVISTAS, MESMO OS DA ESPECIALIDADE, NÃO LIGAM (AINDA QUE INFORMADOS)
PODE-SE PENSAR O QUE SE QUISER DA "QUESTÃO DE OLIVENÇA", TUDO BEM! MAS...DESPREZAR A CULTURA? UM ESFORÇO LUSÓFONO? DE UM ESPAÇO ALENTEJANO? POR FAVOR, O PRECONCEITO, AQUI, PRODUZ ALGO QUE NÃO ANDA LONGE DA CENSURA!

TRÊS ANOS DE ACTIVIDADE: O "ALÉM GUADIANA"

TRÊS ANOS DE ACTIVIDADE: O "ALÉM GUADIANA"
por Carlos Luna
(RESUMO DE ACONTECIMENTOS DE TRÊS ANOS: 2008-2011)
A INESPERADA RECUPERAÇÃO DO PORTUGUÊS/ALENTEJANO EM OLIVENÇA

INTRODUÇÃO

Portugal é um País de contradições. Ambiciona ser conhecido,
reclama que a sua cultura
é pouco divulgada... mas, contraditoriamente, parece envergonhar-se de assumir
manifestações concretas da sua cultura.
Desde 2008 ( em Março de 2011, celebra-se o terceiro aniversário),
algo de novo surgiu
no panorama cultural português...
ou, se se quiser,
lusófono. Previamente, a União Europeia chamou a atenção para a falta
de protecção de que
a Língua Portuguesa era vítima por parte do Estado Espanhol em
Olivença e Táliga (antiga
aldeia de Olivença.Mais importante, na própria Olivença, um grupo de
locais fundou a
Associação "Além
Guadiana", que, sem
se preocupar com a questão, que se mantém, algo discretamente, sobre a
soberania legal
(ou efetiva) sobre a Região, decidiu meter "mãos à obra", e começar a
lutar pela
recuperação da sua cultura e da sua História. Entenda-se: Cultura e
História portuguesas.
Menos de um ano sobre a sua fundação, o grupo conseguia, em 28 de
Fevereiro de 2008,
organizar uma "Jornada do Português Oliventino", que decorreu na
Capela do Convento
português de São João de Deus (em Olivença, naturalmente).
Quer se queira, quer não, fez-se História: pela primeira vez desde 1801,
a Língua Portuguesa manifestava-se livremente em Olivença, com a
"cobertura" das
autoridades espanholas máximas a nível local e regional.
Quase 200 pessoas foram testemunhas disso, entre as quais o
arqueólogo Cláudio
Torres, o "herói" do mirandês Amadeu Ferreira, e outros!
Vale a pena fazer um resumo do que então se passou.

A JORNADA DE FEVEREIRO DE 2008

Falou primeiro o Presidente da Junta da Extremadura espanhola,
Guillermo Fernández
Vara. Curiosamente, um oliventino. Foi comovente ouvi-lo confessar
que, na sua casa paterna, o Português era a língua dos afectos. O
Presidente da Câmara
de Olivença, Manuel Cayado,falou em seguida.
Joaquín Fuentes Becerra, presidente da Associação "Além
Guadiana", destacou e
insistiu no aspecto cultural da Jornada.
Juan Carrasco González, um conhecido catedrático, falou depois.
Seguiu-se Eduardo Ruíz Viéytez,Consultor do Conselho da Europa,
que explicou as
recomendações críticas deste, ao Estado Espanhol, em relação ao
Português de Olivença.
Falou depois Lígia Freire Borges, do Instituto Camões, que destacou o
papel da Língua Portuguesa no mundo. Após o almoço, foi a vez de
ouvir a voz de alguns oliventinos, em Português, bem alentejano no
vocabulário e no
sotaque, não faltando críticas e denúncias de situações de repressão
linguística não muito longe no tempo.
Falram depois Domingo Frade Gaspar (pela fala galega) e José
Gargallo Gil (Línguas
minoritárias).
Seguiu-se Manuela Barros Ferreira, da Universidade de Lisboa, que
relatou a experiência significativa de recuperação do Mirandês.
Falou finalmente o Presidente da Câmara Municipal de Barrancos, a
propósito dos projectos de salvaguardar o dialecto barranquenho.
No final, foi projectado um curto filme sobre o Português
oliventino, realizado por
Mila Gritos (Milagros Rodrígues Perez). Nele surgiam
oliventinos a contar a história de cada um, sempre em Português.
Deu por encerrada a sessão Manuel de Jesus Sanchez Fernandez, da
Associação Além-Guadiana.
Os assistentes e os promotores da Jornada
abandonaram o local, já de noite, convictos de que tinham assistido a
algo notável.
Estava dado um passo de gigante para a recuperação de cultura
lusa em Olivença.
Cerca de um ano, um pouco mais, depois, nova surpresa!

TOPONÍMIA EM PORTUGUÊS

A Câmara Municipal de Olivença decidiu começar a recuperar os
antigos nomes em
português das ruas da localidade. A iniciativa partiu, claro, da
associação cultural Além
Guadiana, apresentou à Câmara e aos diferentes representantes
políticos de Olivença um
projeto pormenorizado para a valorização da toponímia oliventina, com
unânime aceitação.
O projeto, com início a 12 de Junho de 2010, e que prossegue,
estando já quase
conluído em Janeiro de 2011, contempla a adição dos antigos nomes das
ruas aos atuais,
mantendo a mesma tipologia e estética nas placas. Assim, resgatam-se
as denominações das
ruas, dos becos,das calçadas, etc., que configuram o conjunto
histórico encerrado nas
muralhas
abaluartadas, com um total de 73 localizações.
Recorde-se que a maior parte da toponímia urbana de Olivença foi
ubstituída ou
modificada na primeira metade do século XX, embora quase todos os
nomes continuassem a
ser utilizados pela população apesar das alterações, como nos casos da
rua da Rala, da
rua da Pedra, da Carreira, etc.
A Associação "Além Guadiana", num comunicado, esclarecia: «os
antigos nomes das ruas
falam-nos do passado português da "Vila", como popularmente é
conhecida a cidade, desvelando aspetos diversos, amiúde desconhecidos,
da sua história.
Estes remontam a séculos atrás, muitos deles à Idade Média, aludindo a
pessoas ilustres
da História, a antigos grémios de artesãos, a santos objeto da devoção
popular ou à
fisionomia das ruas, entre outros aspetos. "A rua das Atafonas, a
Calçada Velha, o
Terreiro Salgado e o beco de João da Gama" são alguns exemplos.»
Mais dizia a comunicado. «Com esta iniciativa pretende-se, enfim,
realçar um
interessante componente da rica herança cultural oliventina, a
toponímia, contribuindo
para testemunhar a história partilhada deste concelho e para a tornar
visível em cada
recanto intramuros. Os nomes ancestrais dos espaços públicos conformam
uma janela que
convida a assomar-se e a explorar a apaixonante história de Olivença.
Expressados na sua
originária língua
portuguesa, constituem o testemunho vivo de uma cidade onde se
respiram duas culturas e
são um veículo que encoraja os mais novos a manter a língua que ainda
falam as pessoas
mais velhas do município. Para a associação Além Guadiana, trata-se de
uma iniciativa com
fins didáticos, culturais e turísticos, com a qual se resgata para o
presente uma parte
do passado oliventino.»
(CONTINUA)

UMA ESPÉCIE DE «DIA DE PORTUGAL»... DOIS DIAS DEPOIS

A inauguração das primeiras ruas com os nomes em Português, teve
lugar no meio de uma
espécie de festival promovido pela Associação citada, denominado
«Lusofonias». No sentido
de promover a cultura e a língua portuguesa, a organização do evento
elegeu como imagens
promocionais da iniciativa Amália Rodrigues, Fernando Pessoa e Vasco da Gama.
A "Além Guadiana" justificou estas escolhas: «São ícones de
Portugal e da sua
história. Como curiosidade posso dizer que os familiares de Vasco da
Gama são originários
de Olivença e desta forma vamos relembrar esse facto.»
A iniciativa cultural contou com a colaboração do Ayuntamiento de
Olivença, da
Associação para o Desenvolvimento Rural da Comarca de Olivença e da
Junta da Estremadura,
e consistiu ainda num vasto conjunto de actividades, entre as quais se
destacaram peças
de teatro, música, literatura e animação de rua.
Em paralelo, houve uma zona reservada a exposições, onde estiveram
artesãos, um
espaço dedicado à gastronomia e a instituições do espaço lusófono, bem
como trabalhos ao
vivo e animação musical a cargo de grupos de Portel (Évora).
Procedeu-se a uma leitura pública contínua em português, na qual
participaram
oliventinos de todas as idades lendo ou recitando na língua de Camões,
Este foi um dos
pontos altos que a organização destaca deste dia dedicado ao mundo lusófono.
Durante a manhã ocorreu também uma demonstração de folclore,
através do grupo "La
Encina" de Olivença e a atuação das Cantadeiras de Granja (Évora).
No período da tarde foi projectado no Espácio para la Creación
Joven, o filme "O Leão
da Estrela", e houve actividades de animação nas ruas, bem como ainda
a atuação dos
alunos de português da escola pública Francisco Ortiz, de Olivença.
A "Estória da Galinha e do Ovo" e "O Canto dos Poetas", ambos
interpretados pela
associação "Do Imaginário" de Évora, foram dos atractivos desta
iniciativa promovida pela
associação "Além Guadiana".

UM MERCADO MENSAL

O final de 2010 e o princípio de 2011 viram realizar-se mais uma
iniciativa deste
prolixo grupo oliventino: um mercado mensal de artesanato e
antiguidades portuguesas. O
primeiro efetuou-se a 11 de Dezembro de 2010, o segundo a 8 de Janeiro
de 2011. O terceiro
em 12 de Fevereiro de 2011. E assim por diante!
Pela primeira vez, em mais de duzentos anos, ressurgiu o mercado
antigo tradicional de
Olivença era aos Sábados, nas suas características originais. Na
verdade, este evento
efetua-se num local distinto do mercado mais convencional (Adro da
Igreja manuelina da
Madalena), que é no mesmo dia da semana.
Foi curiosa a primeira edição, não só pelo afluxo de interessados,
mas também por
algumas das motivações expressas. Muitas louças tradicionais (do
Redondo, por exemplo), e
mobiliário, também tradicional, foram adquiridos porque lembrava aos
compradores objectos
vistos em casa de antepassados seus, onde constituíam uma espécie de
relíquias. Note-se
que, na falta do seu tradicional mercado, muitos oliventinos, durante
mais de cem anos,
se deslocavam a Elvas ou a outras localidades, procurando obter os
produtos (então de
utilidade doméstica, ou de decoração) a que estavam tradicionalmente
habituados.

LANÇAMENTO DAS SEGUNDAS LUSOFONIAS NA "CASA O ALENTEJO" (12-Maio dwe 2011)

O Além Guadiana" não hesitou em avançar para uma nova edição de
Lusofonias, e tratou de fazer a sua divulgação na "Casa do Alentejo",
em 12 de Maio de 2011. A Imprensa portuguesa, ainda que convocada, não
compareceu em grande medida, cm excepção da Agência Lusa, que publicou
um excelente artigo sobre este grupo de oliventinos. São dessa
notícias as informações que se seguem.
«A associação 'Além Guadiana' apelou hoje a um maior apoio do
Estado português e das diversas instituições ligadas à cultura, para
"manter acesa a
chama" da língua portuguesa em Olivença.
"Falta apoio português. Não só do Estado, mas também das instituições
e dos media. Os
meios de comunicação social portugueses deveriam ir a Olivença ver as
coisas de outro
prisma", afirmou Eduardo Machado, que aproveitou para sublinhar que o
'terreno' da
associação "é apenas a cultura".
"Queremos tratar as coisas com naturalidade. Respeitamos todas as
posições, mas o nosso
terreno é a cultura", afirmou, referindo-se às rivalidades e preconceitos ainda
existentes e à necessária mudança de mentalidades, sublinhando: "O
português em Olivença
não é uma língua estrangeira".
O responsável falava na primeira iniciativa pública da 'Além Guadiana'
em Portugal, que
decorreu na Casa do Alentejo, em Lisboa, e serviu não só para fazer um
balanço dos três
anos de atividades desta associação sem fins lucrativos mas também
para apresentar a
segunda edição do festival 'Lusofonias', que decorrerá em Olivença nos
dias 28 e 29 deste
mês.» (Fim da citação da Lusa).
E, na verdade, o novo festival de Lusofonias, de dois dias,
decorreu em 28 e 29 de Maio de 2011. (CONTINUA)

O SEGUNDO FESTIVAL DE LUSOFONIAS (28 e 29 de Maio de 2011)

Teremos de fazer algumas considerações prévias, ainda que com o
risco de cair em "repetições".
É difícil descrever o que representou, ou representa, histórica e
culturalmente, este
"festival" de cultura portuguesa e lusófona para, e em primeiro lugar,
Olivença, para Portugal, e para o espaço lusófono. Trata-se, recordemos, do
renascer de toda uma Cultura (a portuguesa) num lugar onde, desde
1801, a mesma deixou de ser "oficial", e onde, durante cerca de
duzentos anos, muito se fez para a aniquilar. São habitantes locais,
oliventinos genuínos, que, sem entrarem em considerações politicas e
considerações sobre litígios de soberania, reivindicam a sua cultura
tradicional e a sua pertença ao espaço lusófono. É um tanto
confrangedor, para não usar expressões mais críticas que não se dê
maior destaque ao que ali ocorre em consequência disso.
No dia 28 de Maio, Sábado, após uma alocução das autoridades locais
(com a presença de todas as forças políticas oliventinas) numa curta
cerimónia de abertura, as "Lusofonias" foram oficialmente abertas ao
público. Pavilhões de instituições portuguesas e de comércio e
artesanato (com destaque para a doçaria), que se estendiam por duas
secções da antiga Carreira, numa amostra muito significativa da
cultura portuguesa. O grupo Gigabombos, de Évora, desfilou no local,
e, depois, por toda a cidade.
Seguiu-se uma leitura pública, essencialmente por oliventinos, de
textos em Português. Documentários e teatro, música, corais
alentejanos, bem como actuações de escolas locais (sempre ne língua de
Camões), seguiram-se pela noite fora. Note-se que estavam presentes
elementos culturais de vários países lusófonos, e não só de Portugal.
Uma exposição fotográfica, aliás apresentada com destaque, mereceu
muita atenção, intitulada "O meu olhar sobre a Olivença Portuguesa",
do oliventino Jesus Valério. Muita gente a elogiou.
À noite, houve um espectáculo público, um concerto do cantautor
espanhol (e extremenho) Luís Pastor, "padrinho" do evento, que teve o
cuidado de quase só usar a língua portuguesa, cantando temas
portugueses, e recordando grandes cantautores portugueses (a começar
por Zeca Afonso).
No dia 29 de Maio, Domingo, reabriu o espaço dos pavilhões, e actuou o
Rancho folclórico de Macieira da Lixa (Porto). Seguiram-se canções e
dramatizações, uma vez mais em Português e a "cargo" de alunos de
escolas locais, e ainda mais música por um grupo português. Só por
volta das 24.00 se deu por encerrado o evento, um sucesso que levará,
decerto, a Associação oliventina "Além Guadiana" a continuar a
esforçar-se por devolver a Olivença a sua cultura e língua
tradicionais, com iniciativas como esta ou outras similares, para além
de um trabalho contínuo e diário nesse mesmo sentido.
A dita Associação renova o apelo para que, em Portugal, e sem
preconceitos, haja uma maior divulgação das suas actividades, bem como
apoios, basicamente culturais, já que os seus objectivos são deste
teor, e não outros. É infelizmente necessário repetir que nem sempre
parece estar a haver uma clara
compreensão destes aspectos, o que muito se lamenta.

INTEGRAÇÃO NA LUSOFONIA

Só no dia 8 de Junho de 2011 a RTP, no "Portugal em Directo",
mostrou a boa reportagem que fizera em Olivença no dia 28 de Maio de
2011. Sirva de desculpa o período eleitoral que se vivia então em
Portugal. Afinal, os oliventinos só querem ser ouvidos, sem
discriminações.
"A língua de Camões fala-se ininterrompidamente em Olivença desde
finais do século
XIII". Estas são palvras do Presidente da Associação Além Guadiana, o
já citado Joaquín
Fuentes Becerra, "Este o mais importante legado português. Até meados
do século XX, 150
anos após a mudança de nacionalidade, a língua maioritária era o
Português, apesar de não
ter tido qualquer apoio institucional". Becerra acrescenta que, hoje
em dia, para além de
conservada pelos mais velhos, a língua portuguesa já está a ser
ensinada nas escolas.
"Estamos no caminho correto, mas faz falta uma aposta mais forte para
que a língua
portuguesa não se perca em Olivença. A língua é tudo". E, sem abordar
aspectos políticos,
Becerra reclama para a localidade a sua "INTEGRAÇÃO NA LUSOFONIA".
Parece que algo de novo, e talvez um tanto inesperado, está a
surgir no espaço
lusófono. Ignorá-lo, fingir que não existe, começa a ser impossível. E
insuportável!
Estremoz, 16 de Junho de 2011
Carlos Eduardo da Cruz Luna (FIM)

(TEXTO COLOCADO NO GRUPO ALENTEJANOS NO FACEBOOK PELO DR. CARLOS EDUARDO DA CRUZ LUNA)

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