quarta-feira, 2 de março de 2011

O CANTE ALENTEJANO - Por LINO MENDES



Por LINO MENDES

"Folclore Português

O Cante Alentejano

Foi curioso o despertar do meu interesse pela “Cante”. Nesse dia ao cair da noite o Rancho Folclórico de Montargil ia actuar na Casa do Alentejo (Lisboa). Mas na parte da manhã eu seria um dos participantes num Colóquio cujo tema, tive conhecimento à chegada, seria precisamente…o Cante.

Fiquei naturalmente alarmado já que para isso não tinha conhecimentos. Mas tudo se resolveu, eu acabaria por falar sobre a moda das “saias” também um cantar do Alentejo, que para o Cante lá estava Colaço Ribeiros mestre na matéria, e a partir daí… Demos entretanto a palavra a quem em profundidade sabe do assunto…

O que é, afinal, o cante alentejano?

“O cante alentejano é uma polifonia simples, a duas vozes paralelas, à terceira superior”. “É composto de modas, nas quais sobressaem, nalgumas delas, dois sistemas musicais inteiramente distintos; o sistema modal e o sistema tonal. O sistema modal, em uso durante toda a Idade Média, o sistema tonal, já fruto do Renascimento, no século XVI”

E como se canta?

“Os cantadores, geralmente homens do campo, cantam em grupo, divididas as vozes em três naipes: o Ponto, o Alto e as Segundas vozes. A função do Ponto é iniciar a moda, retornada depôs pelo Alto, e em seguida pelas segundas vozes, constituindo assim o coro. A função específica do Alto é preencher as pausas com os vaias, no fim das frases musicais, excepto na última — assim uma espécie de Ponto na 1 vez”(Padre António Augusto Alfaiate Marvão).

E a partir de agora, passamos a conversar com Colaço Ribeiro

Até onde remontam as origens de “cante”?

Como sabe, existem três vias para dar resposta a essa dúvida que nos surge sempre que queremos encontrar o momento, o local e o modo do surgimento do cante alentejano. Estudiosos da matéria apontam a génese do cante para a pratica coralista gregoriana, encontrando razões, pontos de convergência e similitudes que para eles são irrefutáveis. Outros, igualmente empenhados no estudo desta matéria, avançam como resposta a herança histórico-cultural legada pela presença árabe no nosso país e a sua abalada mais tardia do sul do país. Buscando e encontrando semelhanças, na forma de expressão vocal nossa e no cante mourisco….

Mas, outros há ainda que respondendo à mesma questão, negam ambas as explicações anteriores e apontam como fundamento da origem do cante alentejano a fixação pelas nossas gentes e a sua interpretação sistemática, de uma forma de polifonia onde se concentram e se exteriorizam os valores mais profundos da alma deste povo.

E quais as suas estruturas?

No seu início, o cante tinha como palco o campo. Foi uma necessidade sentida pelos trabalhadores para lhes aconchegar o espírito e lhes aliviar o corpo. Nasceu nas idas e nas vindas do trabalho e cultivou-se na dureza da azáfama.

O cante nasceu em função do trabalho, burilou-se na sua execução, passou a ser instrumento do mesmo.

Depois prolongou-se caminhos fora e entrou nas vilas e nas aldeias. Continuou-se nas tabernas, apareceu nas festas.

Mas a sua função principal não era animar os folguedos. Nasceu da necessidade dos trabalhadores inventarem um bálsamo para as suas dores tantas.

E o cante era isso, um grito que aliviava, um suspiro que tornava menos amarga a dureza da vida.

O cante colectivo, o som projectado por tanta garganta em uníssono, dava uma sensação de força maior, que se acrescentava à outra que a fraqueza ia vencendo, quer debaixo do sol escaldante, quer sob uma qualquer intempérie para a qual não havia abrigo de jeito.

No trabalho esforçado para além dos limites das posses individuais, valia assim a presença do coro colectivo que emprestava ânimo e ajudava, no seu cadenciado, a vencer mares de searas.

Tudo se formava e tudo se dissolvia na ida e com o regresso das labutas, onde homens, mulheres e crianças marchavam juntos durante quilómetros.

Era essa a escola, era essa a vida do cante.

Só mais tarde, a partir da década de trinta, dentro das vilas, é que os Grupos corais começaram a ter alguma consistência organizativa.

Em torno da figura de um bom cantador, começaram a esboçar-se os Grupos Corais que temos hoje. Com disciplina de posições, com organização e ensaios.

A mulher começa a aparecer no “cante”. A que se deve tal facto? A mulher também faz parte da tradição?

Como atrás dissemos, as mulheres estiveram na génese do cante, lado a lado com os homens. Ombreavam no trabalho e aí, podiam cantar e cantavam juntos.

Mas a sequencia, digamos que urbana do cante, privou, durante décadas, as mulheres de assumirem o seu papel como intérpretes de uma “moda” que também era sua.

Dado o seu estatuto Sócio-Cultural, não frequentavam os lugares onde o cante se prolongou depois de desaparecer dos campos, afastado pela mecanização da agricultura. Por isso, só por isso, durante tanto tempo se fez o silêncio nas gargantas femininas.

Mais tarde veio Abril e pouco a pouco foram-se abrindo os corações das mulheres para o cante, à medida que se iam também abrindo os horizontes dos seus direitos e as suas possibilidades de movimentação dentro do tecido social.

Dizem-me que o cante nunca cantou a política. E quais eram os temas cantados?

Antes de 74 o cante não podia abordar a temática política Algumas modas, porque as houve, mais ousadas eram proibidas e os seus interpretes castigados. Neste país, mesmo com fome não se podia gritar por pão. Mesmo tolhidos, não podiam clamar por liberdade. Assim, as modas, feitas e divulgadas nessa época, na sua generalidade, cantavam a vida, a contemplação, a nostalgia, o amor, a saudade, o trabalho, tinham uma função mais de expiação das mágoas do que de reivindicação de melhor sorte.

Logo a seguir ao 25 de Abril, o cante e os corais foram notoriamente instrumentalizados para “enfeitarem” manifestações e comícios e as letras das modas, por essa via, sofreram, como não podia deixar de ser, durante algum tempo as influências diretas do momento político efervescente, reivindicativo e até quase conspirativo da altura, como nas modas “morreu Catarina, era comunista” e “oh reforma agrária, eu sonhei contigo...”.

Mas depressa os Grupos retomaram o cancioneiro popular, continuando a cantar as modas que falavam da vida, da sua vida, do campo e da nostalgia de tempos idos, como na moda, “lembra-me o tempo passado, tudo se vai acabando, o boi puxando o arado e o almocreve cantando…”.

São muitos os grupos de cante que existem na cintura de Lisboa. Quer avaliar este fenómeno?

Com a diáspora, embora tardia, dos alentejanos para fora da sua terra, levaram consigo a crença pelo cante e a falta que do mesmo também sentiam. O cante era para eles uma espécie de colo onde se embalavam com as suas contrariedades para amenizarem o viver. Sem ele, mesmo longe, não podiam viver. Ainda por cima, se lhes acrescentou a saudade, fazedora de angústias.

Daí que por toda a Grande Lisboa, onde poisaram, deram seguimento ao seu sentir rural, e cantaram. Mas só cantando juntos surtia o efeito desejado. E assim nasceram, vários, muitos grupos corais, prenhes de ruralismo, em zonas eminentemente industriais.

Qual a influência, positiva ou negativa, do 25 de Abril no “cante”?

Julgamos que o 25 de Abril, libertando o povo de amarras e opressões, só podia ter influencia positiva em toda o seu existir. E o cante é uma expressão dessa mesma existência.

Todavia, com as influências da intromissão abusiva e não criteriosa da política activa nos corais, as coisas tremeram.

Lino Mendes
De Portugal

Conselheiro Técnico da Associação de Folcloristas do Alto Alentejo e Conselheiro Técnico Regional (Alto Alentejo) da Federação do Folclore Português; Um dos fundadores e, Coordenador Técnico do Rancho Folclórico de Montargil, colaborador do jornal “Folclore”; há mais de 40 anos ligado ao Folclore e escreve para o Mundo Lusíada Online.


In MUNDO LUSÍADA

http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_coluna_188.htm "

Colocado no Facebook em 02 de Março de 2011





COMENTÁRIOS NO FACEBOOK:


Jose Guerreiro Já agora, como pormenor e com referencia ao texto supra, o respondente a Lino Mendes é Colaço Guerreiro e não Colaço Ribeiros, como por lapso ficou escrito
Quarta-feira às 0:24 ·


Luis Milhano Grato, Amigo José Guerreiro, pela rectificação.
Quarta-feira às 0:28 ·

Cantadeiras Alma Alentejana Já conhecíamos este artigo da sua publicação na Revista da Casa do Alentejo. Mas é sempre oportuno «rever a matéria dada», para mais em vésperas de um grande «exame». Sabemos que todos os olhares vão convergir para a Baixa de Lisboa e Casa do Alentejo. Também prevemos que nos irão apontar «n» falhas de organização, mas como um Grupo unido que somos nada tememos. Temos a confiança dos Grupos que convidámos e dos amigos no Facebook. Obg, vamos naturalmente partilhar. O Alentejo não tem fim!
Quarta-feira às 0:29 ·

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