quinta-feira, 22 de setembro de 2011

PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO"





ALENTEJANOS NO FACEBOOK - PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO"

Terminamos hoje a publicação dos trabalhos vencedores na modalidade: PROSA/CONTO.

Destacamos os nomes dos seguintes Amigos :

FERNANDO MÁXIMO - Título : LEMBRANÇAS DO ALENTEJO


MARIZEI - Título : SAUDADES ... OU TALVEZ NÃO


JOSÉ VICENTE - Título : ACONTECEU UMA VEZ ...


Aos Vencedores e restantes Participantes no Passatempo "LEMBRANDO O ALENTEJO" o Grupo ALENTEJANOS NO FACEBOOK envia uma saudação muito especial agradecendo a sua colaboração.

Esperamos ter contribuído com verdadeiros momentos de partilha de tanta beleza que o nosso Alentejo encerra.
Outros eventos serão criados na expectativa de que terão da vossa parte igual aceitação.

Bem hajam !

Luis Milhano.


SEGUE-SE A PUBLICAÇÃO DOS CONTOS PREMIADOS:


FERNANDO MÁXIMO - LEMBRANÇAS DO ALENTEJO


Passatempo “Lembrando o Alentejo”


Modalidade: PROSA/CONTO

Título: LEMBRANÇAS DO ALENTEJO

Naquela tarde de finais de Setembro, estava frio. Demasiado frio para um Outono que ainda havia pouco tempo tinha começado. Se no início do Outono era assim, como seria para o Inverno? Eram estes os pensamentos que preenchiam o cérebro de Mariana da Horta do Vale, enquanto puxava para cima dos joelhos a ponta de um xaile que teimosamente escorregava em direcção ao chão. Colocou as mãos sobre as rodas da sua cadeira, companheira inseparável desde que aquela maldita trombose a tolhera de movimentos. Olhou para o jardineiro do Lar de Nossa Senhora da Orada, que apanhava as folhas caídas dos plátanos. Este jardineiro, homem na casa dos quarenta e poucos anos, trabalhava de um modo desajeitado e algo molengão. Mariana olhou para ele e disse, entre dentes:

Ah! Se eu ainda fosse a Mariana da Horta do Vale...
Diga Ti Mariana...
Nada, Januário, nada. Estava para aqui a falar sozinha.
E aquele falar sozinha, era apenas o início de uma longa conversa que acabaria por manter com ela própria, em silêncio e sem saber por quantas horas. Cerrou os olhos e viu passar perante ela uma procissão de factos, acontecimentos, temas e situações que lhe fizeram recordar toda uma vida de estoicismo, de sacrifícios e de dedicação. Tudo era tão claro, tão visível que em situações mais queridas, quase roçava as raias da loucura. E via...

... A recordação levava-a até aos sete anos de idade. Via os pais, que Deus tenha lá no Céu, a trabalharem arduamente na horta, em momentos que deveriam estar a descansar, ali bem onde a planície se tornava mais generosa, junto ao poço da picota que, por Deus querer, tinha água todo o ano. Recordava os pais, e principalmente a mãe, trabalhadora de sol a sol na companhia do marido. Recordou o mano Chico que era o seu preferido já por ser aquele cuja idade mais se aproximava da sua, já pela comunhão de ideias que repartiam. No entanto também gostava dos outros sete.

Ainda menina, começaram a chamar-lhe Mariana da Horta do Vale, para a distinguirem de outras Marianas lá da terra. E então não é que parecia moda? Uma terra tão pequenina e com quatro Marianas! Ela, a da Horta do Vale por mor da horta do pai, lá no vale; a Mariana da Zefa; a Mariana do Júlio, e a Mariana Cigana. Mas Marianas à parte, o que neste momento lhe vinha à memória era ainda e sempre a sua mãe. Comeu o pão que o diabo amassou. Levantava-se sempre cedo, muito cedo, para acabar de fazer a comida para mais uma jornada de trabalho. Quando regressava tinha roupa para lavar, a casa para dar uma ajeitadela e mais, sempre mais do mesmo: trabalho das mulheres que nunca tem fim!

Mariana, a partir dos oito anos passou a ser sua companhia nas lides. Nunca teve bonecas para brincar, nem de trapo nem de papelão, nem qualquer outro brinquedo. Aprendeu com a mãe o que era e para que servia um “cocho”, soube o sabor repetitivo das comidas guardadas no tarro. Comeu muitas azeitonas com pão que no dizer da sua pobre mãe, “faziam os olhos bonitos”. Depois um lapso, uma falha de memória atirava-a já para os finais da sua adolescência.

... Mulher feita, olhos negros lindos, muito vivos, talvez fruto das azeitonas que a mãe lhe dera em pequenina. Ficara órfã bastante cedo e tal como os pais, também ela teve que lutar com quanta força tinha para sobreviver num mundo hostil, difícil e penoso, como foram os idos anos de quarenta. Vivia então com uma tia que, por desgraça dela não tinha tido filhos, e que adorava a Mariana. Esta era, para todos os efeitos, a filha que nunca tivera. Quanto aos pais lembra-se do quanto sofreram até morrem mirrados, secos como carapaus. Doenças aparentemente fáceis de curar na actualidade, não o eram então. Havia doenças contagiosas, ou como se dizia ao tempo, “pegajosas”. E foi com uma dessas doenças que os pais faleceram depois de muito penarem: o pai internado no Caramulo, e ela, a mãe, em casa. Mariana nunca chegou a saber se foi o pai que “pegou” a doença à mãe ou se foi a mãe que a “pegou” ao pai. Uma coisa era certa: faleceram demasiado cedo, numa altura que lhe faziam extrema falta, se é que alguma vez é cedo para se falecer por não fazer falta a ninguém.

Na plenitude dos seus dezanove anos, Mariana da Horta do Vale andava na menina dos olhos de todos os rapazes lá da aldeia. Olhos lindos, como vimos, seios erectos a quererem rebentar as blusas de chita que usualmente vestia, cabelo loirito a saltar para fora do lenço com que se tentava cobrir do calor em épocas de estio ou proteger do frio em épocas de resfriados. Por onde passava deixava os rapazes de cabeça à roda. O que teve mais sorte foi o Zé do Forno, que acabou por ser o seu companheiro, seu amigo, seu único namorado, seu marido. Lembrava-se como se tudo se tivesse passado ontem...

... o dia tinha nascido lindo. Um daqueles dias de Julho em que o sol ao nascer invade toda a planície alentejana, toda a campina, com um manto de oiro. Naquele dia de ceifa, Mariana tinha ficado na tarefa de cozinheira, tendo à sua responsabilidade nada mais, nada menos que dezoito panelas. É verdade que estava calor, mas quase todos precisavam de água quente para fazer a açorda, acompanhada ainda, e sempre, com as célebres azeitonas, ou para darem uma fervura na bóia de toucinho que haveria de acompanhar um côdea de pão. Estivera uns tempos de castigo, sem passar por cozinheira, por um motivo de que se lembra igualmente muito bem. O Manel das Figueiras era um capataz bastante duro, daquelas pessoas que não admitiam um deslize e que queriam sempre tudo a horas e muito certinho. Aconteceu que um dia, já muito próximo da hora do jantar, ao tentar chegar um tição para junto da panela do capataz, quis o destino ou o azar que a panela se entornasse. Aflição das aflições! Mariana sentiu-se perdida. Que fazer? Como se sair daquela situação? Apenas encontrou uma solução: deitou-lhe água fria na panela de ferro, mas a verdade é que a água já não aqueceu. Chegada a hora de preparar a açorda, o Manel das Figueiras, soprou várias vezes a sopa que iria servir para comprovar se os temperos estavam na medida. Não queria queimar-se. Mariana, meio encolhida, embora receosa, ria por dentro, pois sabia que a água pecava era por fria e não por quente. O resultado já ela esperava: levou uma descompostura na frente de todo o rancho e foi obrigada a fazer mais meia hora de jorna, durante oito dias e sem direito a salário, como é óbvio. Mas tudo passara e agora, volvidos alguns meses após aquele incidente, reassumira a sua condição de cozinheira. E em que dia o fez...

Zé do Forno, garboso com vinte anos, estava de serviço de aguadeiro.

... Mariana observava a enorme nuvem de pó que se elevava lá da eira e o barulho ensurdecedor vindo de onde se encontrava a máquina fixa de debulha. Era a única máquina daquelas redondezas. Dizia-se que a fábrica do Tramagal tinha começado havia poucos anos a fabricá-las e já o patrão Lopes, dos mais ricos daquela região alentejana, tinha uma ao seu serviço. Era esperto aquele Lopes. Depois de acabada a sua seara, o Patrão Lopes alugava a máquina a outros lavradores e ganhava assim dinheiro suficiente para as despesas que tinha com a sua própria ceifa e debulha. À medida que o pó subia no ar, Mariana parecia-lhe ver ainda os tempos em que o avô, lá na eira dele e com menos pó, utilizava os dois burros que tinha: especado bem no meio da eira ia obrigando os asininos a andarem à roda, em cima das espigas até as esboroarem, sempre sujeitos e controlados pelas arreatas. Depois havia que se limpar, separar a palha da semente. Aproveitava-se o vento de feição e atirava-se a semente e a palha ao ar com as pás feitas de madeira. O vento levava a palha e a semente ia-se amontoando, limpa. Mais tarde apareceram os trilhos, igualmente de tracção animal. Lembrava-se como gostava de se sentar neles e andar à roda, à roda…

…Após ter levado duas ou três rodadas de água, já bastante morna por mor do enorme calor que fazia, Zé do Forno dirigiu-se para junto do lume, onde a cozinheira Mariana ia atiçando as brasas, o que tornava ainda mais quente aquele pedaço de chão feito forno aquecido. Zé ia com a intenção primeira, supõe-se, de ver se era necessário levar mais água para as panelas da cozinheira. Era alto, negro, quase com pelagem de cigano, filho de boas famílias e trabalhador. De seu nem tinha os caminhos por onde andava. Tinha, isso sim, uma grande alegria de viver.

Ao vê-lo aproximar-se, de camisa arregaçada, desabotoada de modo a deixar vislumbrar um peito que arfava não só pelo calor mas pela emoção do momento, Mariana pensou ver nele um coração bom e aberto. Sentiu-se andar à roda, à roda como se estivesse no trilho do avô... Não esperava que as coisas se passassem tão depressa. Afinal ele era bem mais despachado do que ela podia pensar. As palavras foram poucas ou então ela já não as recordava muito bem. Já iam mais de sessenta anos. Sabia que ele lhe tinha dito que gostava dela, que se ela quisesse que namoraria com ela. Ah!, e que não vinha ali para gozar, porque o que tinha por ela era amor verdadeiro e não coisas de brincar! Isso, “coisas de brincar” tinha sido essa a frase que ele lhe dissera. Ruboresceu. Puxou o lenço um pouco mais para os olhos e olhou em volta, envergonhada. Parecia que o Zé tinha gritado com toda a força. Parecia que todo aquele bendito Alentejo tinha gritado em uníssono: “não são coisas de brincar, Mariana!”, e que o eco daquele grito ia avançando de monte em monte, de azinheira em azinheira, sempre em crescendo... sempre em crescendo… Mas não. Os outros andavam na azáfama constante da ceifa: enquanto os ceifeiros e ceifeiras, com os dedos devidamente protegidos pelos canudos, seguiam curvados e curvadas sobre a cintura, ceifando a eito umas três margens cada, (contrariamente ao que haviam feito no dia anterior, que tinham ceifado às tornas), os molheiros com os seus forcados lá continuavam a colocar os molhos de seara em cima dos carros de parelhas para levarem para a eira a seara cortada. Ali, a máquina debulhadora continuava a lançar o silvo do seu motor, alheia aos vários frascais que ia engolindo. Mariana olhava atónita, com as palavras do Zé a baterem-lhe mansamente na cabeça, e verificando que afinal ninguém se importava com ela, com o Zé e com aquele momento tão lindo que ali se vivia. Quisera dizer-lhe que sim, de imediato. Mas não podia. Não era uma rameira que se entregasse a um qualquer e de qualquer modo. O calor exagerado que lhe havia subido às faces diluiu-se um pouco mais, respirou fundo e disse quase imperceptivelmente:

Dá-me um tempo para pensar, Zé...
Tens o tempo que precisares, mas não demores muito Mariana, está bem?
Quisera não demorar nada. Mas não podia ser. Mariana era uma mulher do Alentejo e tinha que manter aquela firmeza própria adquirida pelo facto de ser mulher do Alentejo. Mas a sua vontade era outra. Era lançar-se nos braços do Zé, apertá-lo e dizer-lhe baixinho que também gostava dele. Tinha que ser “gostava dele”, porque dizer-lhe que o amava, isso não era capaz. Envergonhava-se. Ela não era, não tinha nada a ver com aquela “ratinha” vinda lá das Beiras que havia pouco tempo tinha feito uma declaração demasiado acalorada ao seu mano Chico, num bailarico que meteu cante a despique. E ainda sabia a picardia e os versos que então soaram na quadra do Tónho Abaladiço, por alturas do Carnaval. Dissera ela, desavergonhada, que foi quem começou: “Quando chegas, nasce o sol/Quando te vais, desce a lua, / Se tu fosses um lençol/Eu dormia toda nua!”

Sem vergonha! Atiradiça! Mas o mano Chico não era rapaz para ficar calado, tinha a resposta na ponta da língua e sem gaguejar respondeu-lhe de imediato: “Mas se eu fosse um lençol/Branquinho como a geada /Se não tivesses um cachecol/Morrias toda gelada!”

Os bailaricos não eram só pelo Carnaval ou por alturas de festas, ou pelas sortes. Apesar do serviço árduo, era raro o dia em que no pequeno intervalo do almoço, não se alisavam umas seis ou sete margens e fazia-se ali mesmo um bailarico, com modas à desgarrada, saias, ou com toque de harmónica quando o Manel da Zorra levava a sua gaita e estava bem-disposto. Depois daquele dia, em que Mariana ficara de cozinheira e o Zé aguadeiro, era certo e sabido que o par estava garantido. As pessoas notaram, as pessoas cochicharam e coisa curiosa... Mariana relembrava que naquele baile da pinhata, ela e o Zé tinham ficado reis do baile. Tiveram que dançar sozinhos, com as coroas de rei e rainha nas cabeças, acanhados por se exporem assim perante toda aquela gente que os via rodopiar uma valsa. O Zé parecia que voava, enquanto a Mariana deslizava sobre o adro. E no outro dia soube-se na aldeia que realmente o Zé voou com a Mariana que deslizou para junto dele...

... Mariana da Horta do Vale corou, mas o jardineiro Januário, não viu. Andava entretido a varrer as folhas dos plátanos. Mariana corou por todas as peripécias que se passaram nessa noite. Desculpem lá, mas isso não vem agora aqui para a nossa história...

Mariana, Mariana, não soubeste aproveitar toda a felicidade que o Zé te deu! Deixaste-la passar como se fosse possível agarrar no dia seguinte aquilo que de bom deitámos fora no dia anterior, ia pensando com os seus botões. E á sua frente continuava o filme da sua vida. Coisa esquisita: à medida que os factos se tornavam mais recentes, menos nítidos eles eram, estavam “nublados”, parecia que a fita estava riscada, como riscadas estavam por vezes as músicas que se lembrava de ouvir no programa de Discos Pedidos do Rádio Badajoz: “Atenção Alandroal – Mina do Bugalho – para a Senhora Mariana da Horta do Vale, no dia de “su cumple años”, com muitos beijos de parabéns de “su” marido a trabalhar no monte do Chapim. Vamos transmitir «O Amor de Pai» na voz de Manuel Dias”. Depois de mais meia dúzia de dedicatórias para outros aniversariantes lá vinha «O Amor de Pai» que ela tanto gostava de ouvir. Por isso seu marido lho dedicava. Ela considerava aquela canção um agradecimento a seu pai pelo que fez por ela e ao seu marido pelo que fazia pelos filhos. Melhor que «O Amor de Pai», só «O Xaile de Minha Mãe», naturalmente...
Os pais do Zé aceitaram-na bem e ela tudo fez para merecer essa amizade e retribuía-lhe com trabalho, dedicação e carinho. Quatro anos após ter casado nasceu-lhe o primeiro filho. Nascera ao anoitecer e a vizinhança apercebeu-se que algo se estava a passar na casa da Mariana. A Maria Bexigosa andava num corrupio de entra e sai da casa da Mariana que tinha de ver. Certamente que a sua missão naquela casa era a de parteira pois não havia razões aparentes para ela ali se dirigir para fazer qualquer reza com bruxedos, sua segunda profissão, sabendo-se como se sabia até, que o Zé do Forno não era dado a essas “mariquices”. Aliás, a bacia com água ensanguentada que a Bexigosa atirara fora não deixava dúvidas a ninguém. Os vizinhos não sabiam o que era mas que tinham gente nova na aldeia, tinham! E era um rapaz, um homem. Fizera as delícias do pai, que quando se referia a ele na taberna ou quando lhe perguntavam se era menino ou menina dizia:

O que está lá em casa, mija de pé!
Bruto! respondia-lhe por vezes a Mariana, mas desculpando-o e compreendendo a alegria dele por ter um filho varão. Não tiveram mais filhos. Seguiram-se mais três meninas, mas parece que o destino estava mal fadado para o rapaz, José Fernando Alves Morgado. José e Morgado da parte do pai, Fernando que era o nome do pai da Mariana e Alves que era o seu apelido de solteira. Não sabia bem porque é que o rapaz não ficou nem “do Forno”, nem “da Horta do Vale”, mas sabia bem porque é que lhe chamavam simplesmente “O Mija de Pé!...”
O cérebro da Mariana, com quase oitenta e quatro anos feitos (ou seriam oitenta e cinco?) já não é o que era. Salta muito de acontecimento para acontecimento. Agora só já relembra as partes mais marcantes.

... estava-se no ano de 1963 e o seu Zé Fernando tinha ido às inspecções. Nem era necessário ter lá ido. Já se sabia que naquela altura até os coxos e os parvos, que Deus me perdoe, eram chamados para a tropa. O seu sofrimento começava agora. Nada, nem as ceifas, nem as sedes passadas, nem a fome, nem o medo do capataz Manel das Figueiras ou o medo da Guarda Republicana, quando lhe vigiava a porta por causa do seu Zé do Forno, nada se assemelhava à angústia que esta mulher Alentejana começava agora a sentir...

... Foi num barco, Uíge de seu nome, que em meados do mês de Novembro de 1964, o Zé Fernando embarcou para Angola, descolando do Cais das Colunas, O barco afastava-se, os lenços brancos dos que ficavam pareciam-lhe enormes enquanto os lenços brancos dos que partiam se iam tornando cada vez mais pequenos, mais pequenos, até se confundirem numa só imagem ténue, branca, clara… nada. Quase ia desmaiando quando se perdeu o fumo do Uíge, lá no alto mar. O marido segurara-a. Não caiu. O marido, aqui como em tantas outras ocasiões estivera sempre ao lado dela. Não a deixava cair, o seu Zé do Forno!

O filho escrevia-lhe amiudadas vezes. Às cartas chamavam-lhe “aerogramas” e chegavam com uma média de um por semana. Não sabia ler, mas as filhas liam-lhos.

Todos os dias ouvia a Emissora Nacional, onde o Ferreira da Costa dava conta da situação de vários colegas do filho. Muitos falavam directamente: “Queridos pais, namorada e madrinha de guerra em Ferreira do Alentejo... em breve espero abraçar-vos”; outros não falavam mas ele, Ferreira da Costa, dizia: “Aqui Luanda, o soldado Fulano Tal encontra-se bem algures em Angola”. O seu filho nunca falou nem nunca foi do conhecimento do Sr. Ferreira da Costa.

Novo salto no filme de Mariana, como se de repente se partisse a fita e fosse apanhar as histórias, verdadeiras como é óbvio, um pouco mais à frente ou um pouco mais atrás, a modos que baralhadas. Outras vezes o salto no filme da vida era mais curto, entrecortado, como se houvesse uma falha de electricidade de alguns segundos somente. Mariana agora já não andava nas mondas, já não dançava nas margens. Mas estava baralhada na cronologia.

…O ano de 1965 fora um ano terrivelmente farto de água. Já não se lembrava de quantos meses choveu a fio. Sabia apenas que tinham sido muitos e com grande intensidade. Como sempre, o marido tinha ido dar uma volta com o gado, aproveitando uma estiada que o tempo oferecia, naquele fim de tarde. Conhecia os terrenos que pisava como a palma das suas mãos. Conhecia os chaparros todos da campina alentejana e assim, o Zé do Forno, passou o regato e foi para o lado de lá. Sabia que o Tonho Sapo iria lá ter consigo por causa da greve dos trabalhadores rurais, para combinarem coisas, estabelecerem estratégias. Zé do Forno não voltou. Mariana não dormiu; nessa noite. Chamou pelo marido. Procurou-o por onde pôde com o lampião de petróleo. No outro dia, lembrou-se de ir mais as filhas ao posto da GNR perguntar pelo marido. Às vezes os Guardas sabem coisas que as outras pessoas não sabem e podia ser que eles soubessem dar-lhe alguma notícia. Obteve como resposta:

O seu marido está bem, Mariana. Está “dentro” mais o Tonho Sapo, para não se andarem a meter onde não devem. Qualquer dia tem notícias dele, Ti Mariana.
Afinal o marido não voltara porque tinha sido preso. O seu coração sabia que algo de mau um dia poderia acontecer. Por vezes, já noite dentro, via-o com a telefonia agarrada aos ouvidos. Quando lhe perguntava o que ouvia quase sempre lhe respondia que estava a ouvir a Rádio de Argel, em onda curta, e a saber notícias de Portugal através do Manuel Alegre. Coisa esquisita para ela: saber notícias de Portugal através de uma rádio da Argélia? Agora, naquele momento, sentiu-se desfalecer, agarrou-se às filhas a chorar e voltou para casa. Os dias passaram, enormes, enormes e vazios. Não havia notícias. As únicas notícias que chegavam, eram do filho que dizia que já contava os meses para regressar a casa. Quantas vezes teve que esperar que as folhas das cartas secassem das lágrimas que nelas caíam ao enche-las de beijos depois da filha as escrever, para que ele não se apercebesse que a mãe chorava, e do motivo porque chorava. O filho enquanto ela pudesse evitar, não saberia nada da situação do pai. Vestiu-se de negro, do mais negro possível, mas nunca tão negro como o seu coração se vestira. Começou a sentir-se revoltada, contra tudo e contra todos.

Quis o destino, o destino mau, ruim, que certa vez, quando iam para começar a escrever mais um aerograma para Angola, chegasse o comandante da secção da GNR, homem alto, de bigode farfalhudo, com ar insensível e com uma carta, tipo telegrama, que lhes disse:

Está aqui uma carta da PIDE. Querem que a leia?
Não é preciso, obrigado, as minhas filhas sabem ler… não, não…olhe leia o senhor que tem mais prática... atrapalhada, ansiosa, Mariana não sabia o que queria. Apenas queria que lhe lessem depressa o que aquela carta dizia.
E o comandante da Secção da GNR, de bigode farfalhudo, insensível, frio, duro e mau leu: “Informamos que faleceu na cadeia do forte de Caxias, José...”

Não ouviu mais nada porque desmaiou. O seu Zé já não estava ali para a segurar, para não a deixar cair, desamparada. E não quer recordar esse momento tão duro, esse momento em que foi posta mais uma vez à prova toda a valentia da mulher do Alentejo. Não quer recordar e não é por causa de se ter partido a tal fita do filme que tem estado a visionar. Não, não é por isso. É pura e simplesmente porque não quer. Revolta-a, toda a impotência que sentiu por não poder fazer voltar até ela, vivo, o seu marido, único amor, único amante...

... em 1974 já o filho era um destacado membro do Partido Comunista, na clandestinidade.

A 25 de Abril de 1974 ia a família Alves Morgado à entrada do cemitério para prestar mais uma homenagem ao Zé do Forno, pela passagem do sétimo aniversário do seu falecimento, quando o Vasco Tonto, que andava sempre com uma telefonia pequenina a pilhas para ouvir os relatos do Benfica, disse:

Houve uma revolução! Os soldados derrubaram o governo! Disse aqui no rádio!
Mariana, o filho e a nora, as filhas e os genros, chamaram o Vasco Tonto e ouviram em primeira mão, a notícia da Revolução dos cravos ali bem junto da campa do Zé do Forno, como que a quererem-lhe dizer que o seu sacrifício não fôra em vão, e que tudo estava vingado... no ar soava agora a “Grândola Vila Morena”, num rádio que precisava de pilhas novas mas onde uma voz bem timbrada anunciava: “aqui posto de Comando do Movimento das Forças Armadas...”.

... E vieram os políticos dizer que estava tudo calmo, e veio o Movimento das Forças Armadas dar aulas para quem quisesse aprender a ler e escrever. Mariana foi e aprendeu a escrever. A primeira coisa que aprendeu, por sua exigência, foi a escrever: José do Forno. Não era esse o nome verdadeiro, mas era esse o Zé que ela sempre amara. E sempre com ele na lembrança, recordou bocados muito ruins mas há um, muito bom, que a enche de vaidade incontida: foi no dia em que, puxando um baraço, descobriu uma placa que dava o nome de “José Morgado – lutador antifascista, preso e assassinado pela PIDE” a uma rua da sua aldeia, perdida aí num qualquer pedaço deste Alentejo profundo e esquecido. Nessa altura, o que raramente acontecia, sentiu-se feliz, muito feliz por recordar, até porque não era uma rua qualquer, era a rua onde ela ainda morava e onde eles tinham morado. A mulher do Alentejo também tem que ter motivos para ser feliz!

...1998, mais recente, menos nítido o filme da vida. Sabe que estava a ver uma telenovela na casa de uma das suas filhas, quando começou a sentir a mão, o braço e a perna esquerda dormentes, a língua encortiçada, a vista a “empaniar-se” e com dificuldade em mexer-se. A boca ao lado não a deixava pronunciar palavra perceptível. A neta mais velha, olhou para ela e, apavorada, gritou:

Mãe! A avó está a morrer...
Mas não estava. Foi transportada para o Centro de Saúde, que por sorte ainda fechava à meia-noite, e depois para o Hospital Distrital. Fizeram-lhe exames, e ao fim de nove dias disseram-lhe que ali, já nada mais podiam fazer por ela, que o que estava ali a fazer poderia ser feito em casa e sempre dava o lugar a alguém que estivesse mais necessitado. Compreendeu.

Agora, havia cerca de quinze dias que vagara um lugar ali no Lar de Nossa Senhora da Orada e aproveitou a oportunidade para ali ser admitida como utente. Os filhos trabalhavam e não podiam cuidar dela. Melhorara bastante, mesmo assim. Falava pouco mas pensava muito. Ninguém nos consegue cortar o pensamento, graças a Deus!

Olhou para o Januário e teimou:

Ah! Se eu ainda fosse a Mariana da Horta do Vale...
Januário, já não a ouviu e Mariana quis agora relembrar os momentos bons da vida que, por serem tão poucos mais depressa relembraria: o casamento dos filhos, o nascimento dos netos, os seus primeiros empregos, os estudos da neta mais velha que chegara a Engenheira Civil... Mas adormeceu debaixo daquele fiozinho de sol de Outono envergonhado e acabou por não recordar nada do bom da sua vida.

Vamos lá D. Mariana, temos que ir jantar, disse a encarregada enquanto empurrava a cadeira de rodas em direcção ao interior do Lar. Não pode ser só dormir, olhe que ainda apodrece de tanto dormir! E arrematava: vossemecê tem mesmo cara de ter sido uma valente mulher do nosso Alentejo!
Os olhos de Mariana humedeceram-se, prenhes de uma mistura toda feita de saudade, vaidade, raiva e tristeza. Que sentimentos contraditórios assolavam aquela mulher que ainda agora adormecera e já estava a ser apelidada de dorminhoca. Ingratos!

Apercebia-se perfeitamente que não visionara nem uma milésima parte do filme da vida. Mas agora tinha que suspender a sessão, na certeza porém que voltaria a ela, em curto espaço de tempo.

Não tinha fome!

Autor: FERNANDO MÁXIMO/AVIS

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MARIZEI - SAUDADES ... OU TALVEZ NÃO.


Passatempo “Lembrando o Alentejo”


Modalidade: PROSA/CONTO


Título : SAUDADES... OU TALVEZ NÃO.



Tenho Saudades de quando era pequena preta (queimada do sol) e magra.

Sou alentejana de raça pura porque os pais também o eram, nasci na aldeia no chão daquele quarto escuro de terra batida, á hora do almoço já tinham mais uma boca aos berros a pedir comer.Sou duma fasquia de três já adultos que não precisavam de ser contemplados com a laranja de Agosto (assim me chamavam), porque a mãe já tinha quarenta anos quando nasci. Criaram-me aos abanões, mas era muito rica tinha tudo o que ambicionava/desejava era feliz e cantava ... cantava as modas alentejanas . Tudo era meu no Alentejo o meu pai,mãe, mano, mana, tios tias primos primas, vizinhas comadres, amigas, amigos, o burro o gato a casa as terras os animais as árvores.

Tenho saudades:
Da casa, do quintal, das brincadeiras imagináveis do cheiro da terra, das caminhadas para a horta, dos rastos das pessoas na estrada de terra (que eu tentava descobrir a quem pertenciam aqueles rastos deixados no pó), do calor na estrada de alcatrão provocando miragens de água e moiras encantadas ( contos da mãe), do tempo em que brigava com a mana para ir á fonte buscar água nos cântaros e partir lenha pró lume que o jantar esperava. da chegada da noite para ver o pai ao longe de chapéu preto de abas largas em cima do burro, trazendo contos, passagens ou lengas-lengas para me contar. da chegada da mãe a ralhar para ir fazer os trabalhos destinados que eram o normal do dia ir á mercearia comprar fiado, uma latinha (1/4 de litro) de petróleo para o candeeiro, e uma quarta(250g) de sabão, ou de açúcar, ou uma quarta de carne esfoladiça para fazer as couves com carne.

Dos homens á porta em fila a pedir trabalho ao pai, que era manajeiro na casa da lavradoura. Dos ranchos de raparigas e mulheres(todas minhas parentes tias,primas vizinhas ,comadres, amigas) a cantar nos trabalhos e com roupas alegres vestidas. Dos ranchos de rapazes de olhos bonitos e homens (todos eram meus tios primos parentes amigos vizinhos) de chapéus e boinas e safões e botas cardadas.Lá em casa havia a despensa cheia de favas grão feijão alfarroba, ervilhas tremoços, cevada, trigo, aveia, abóboras, cebolas, batatas, pimentos, na horta frutas e verduras e até amendoins que a mãe semeava tudo. Havia uma lata cheia de tostões e descobri no livro da mãe uma nota de vinte escudos. Quando o pai colhia a seara ia vender o trigo e antes de pagar as dívidas ia-me mostrar uma nota de quinhentos escudos para eu a conhecer. Eu era rica e o Alentejo era meu.

Depois cresci ... e havia um rapaz de olhos bonitos....

Fiz a primária e os pais decidiram o meu futuro, (arranjar trabalho á sombra e ao abrigo da chuva) metendo-me na camionete de carreira para a cidade mais próxima. Parti com a malita cheia da distância e ausência dos meus pertences. Arranjei trabalho num primeiro andar, lembro que nos primeiros dias , mesmo com as janelas abertas tinha que descer as escadas e abrir a porta da rua para vir respirar.Faltava-me o chão, o cheiro da terra, das árvores, dos meus pertences,. Ali tudo era desconhecido e feio. Morava na casa dos outros(era uma hospede) ,na terra dos outros, não via nenhum rosto conhecido, ninguém me chamava pelo nome, não me cumprimentavam na rua, não conhecia os caminhos.Os meses e anos passaram aprendi muita coisa e outras línguas, mas cresci zangada e revoltada, porque para as pessoas da aldeia eu sou da cidade, e para as pessoas da cidade eu sou aldeona.

Agora sou grande branca e gorda.
Mudei de trabalho de cidade de nome (porque casei).
O que sou hoje'''' quem eu queria ser'''' o que tenho saudades/lembranças'''''

Digo que sou rural, sinto-me rural gosto da estrada de terra, mas não gosto de comer o pó.Gosto de apanhar amoras, mas não das picadelas das silvas.Gosto de nozes, mas não das mãos pretas das descascar.
Gosto muito dos Alentejanos de chapéu e boina e botas cardadas das quadras bonitas e cantigas e anedotas que fazem; da cozinha da vaidade e nostalgia das mulheres e das cores vivas vestidas, da paisagem da terra arada, dos matos a crescer em liberdade, das flores cheiros cores.

Tenho saudades do Alentejo ( ou talvez não''''') porque nos campos só vejo bois por todo o lado ( eu tenho medo dos bois). Não há searas cultivadas; Não há maquinaria agrícola a trabalhar; Não há ranchos de raparigas e mulheres(todas minhas parentes tias, primas vizinhas ,comadres, amigas) a cantar nos trabalhos e com roupas alegres vestidas os rapazes de olhos bonitos (emigraram); Não há ranchos de homens meu pai ,mano, tios primos parentes amigos vizinhos de chapéus e boinas e safões e botas cardadas a trabalharem.

Vejo as pessoas a ir trabalhar nas cidades cada um em seu carro, para limparem as sujidades dos senhores. eu digo porque sei.( cheira mais mal a sujidade fechada do que a bosta ao ar livre)
Vejo os canais feitos para a água da barragem, mas nada verdeja á sua volta. Se calhar eu não vejo bem''' será da idade ou das lembranças do meu Alentejo .


AUTOR - Marizei


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JOSÉ VICENTE - ACONTECEU UMA VEZ ...


Passatempo “Lembrando o Alentejo”


Modalidade: PROSA/CONTO


Título : ACONTECEU UMA VEZ ...


Aconteceu uma vez…


Aconteceu uma vez...ou foram duas ou três? Passou o tempo e não recordo com precisão a última vez que vi Maria colher um malmequer. Maria corava sempre que um rapaz lhe assobiava, ou dava um piropo, Vi acontecer uma vez...ou foram duas ou três? Éramos ambos pré-adolescentes a viver numa aldeia alentejana perto de Beja, Maria tinha por hábito correr pela planície e colher malmequeres que punha no cabelo ruivo como se fosse uma jarra de cristal luzindo naquele pôr-do-sol dos seus cabelos. Por vezes confundia as espigas de trigo com ela, tal a sua beleza.
Parti da aldeia para estudar em Lisboa, na bagagem trouxe pouco mais que o coração apertado e a imagem de Maria com o malmequer no cabelo. Ainda hoje e já se passaram trinta anos, rego com a saudade essas flores que trago na lembrança. Assim as preservo, preservando Maria.
Adoptei Lisboa sem traumas emocionais, vim e fiquei. Regressava nas férias grandes e no Natal. Via sempre a Maria.
Sei que não estudou, ficou a viver com a mãe e dois irmãos mais novos. O pai morreu soterrado em copos de vinho tinto numa das muitas tabernas onde era conhecido como o “Barril”. Ainda hoje imagino o seu caixão, só podia ter a forma de barril, não sei, não fui ao funeral. Essas coisas não se contam às crianças. Crianças adivinham, imaginam.
Não, não vou escrever da Maria-criança, ela não iria gostar que soubessem como foi amarga.
Sei que os únicos brinquedos que teve foram os malmequeres que partilhava com a natureza embelezando-se, embelezando-a com os seus cabelos ruivos ondulando ao ritmo da eira.
Um dia, já adulto, regressei à aldeia por causa de umas partilhas e não vi a Maria. Fui à planície e encontrei a aridez, os malmequeres tinham desaparecido daquela terra de luto.
Perguntei aos irmãos por Maria:
- Partiu depois do funeral da nossa mãe. Saiu do cemitério, foi ao campo, pôs um malmequer no cabelo e ninguém mais a viu desde esse dia.
Assim saí da vida de Maria, da planície e dos malmequeres. A aldeia ficou mais pobre o Alentejo mais longe.
Lisboa ficou a ser a cidade sem endereço, deambulava pelas ruas sem olhar e se olhava não via. Nem edifícios, nem pessoas. Era mais um entre um milhão de isolados que sobrevivia entre o caótico e a indiferença.
Um dia passava eu pelo Politécnico e olhei, mais por curiosidade que por interesse, para uma paragem de autocarro e surpreso vi um malmequer sentado no banco. Era a Maria. Tinha feito a viagem da aldeia para Lisboa apenas com o malmequer e o corpo. Um corpo ainda vivo, tão vivo que o aluga (não o vende) em paragens de autocarro sem sinalização de destino. O seu foi procurá-lo ao passado.
Sentada no banco esperava que os condutores não lhe perguntassem pela sua paragem da vergonha. Ela estava lá, na forma de um corpo utilizado e de um malmequer que lhe recorda o quanto tem ainda de pureza. Há coisas que não se alugam e muito menos se vendem.
Passei uma, duas, três vezes com o carro sem coragem para me aproximar. A minha máscara de homem forte dilui-se em memórias de infância e chorei. Lágrimas de uma paixão nunca declarada. Entre as lágrimas revi a paisagem alentejana e parei, já não era Lisboa, era o reinventar da planície. Maria aproximou-se do carro, debruçou-se na janela, olhou para mim e com o olhar doce que sempre conheci exclamou:
- Pedro!
Eu balbuciei:
-Maria…
-Pedro, contigo não! Contigo só vai a minha memória que está algures entre a infância descrente e a adolescência crente na mentira.
Serenamente tirou o malmequer do cabelo e plantou-o no meu.
- Vai e não voltes! Disse.
Voltei uma, duas, três…muitas vezes e não a vi. Sempre que volto deixo nesse banco, dessa paragem de autocarro um malmequer, para quem parte faça uma boa viagem até ao destino, até à vida!

AUTOR - JOSÉ VICENTE










MODALIDADE - POESIA

O Passatempo "LEMBRANDO O ALENTEJO" criado pelo nosso Grupo já antes informou dos vencedores nas modalidades:
PINTURA - FOTOGRAFIA - VÍDEO - ARTIGO DE OPINIÃO

Hoje iremos dar a conhecer os vencedores da modalidade - POESIA.

Foram muitos os trabalhos enviados o que dificultou (e ainda bem) a análise do Júri. Também provou que somos um País de Poetas...

Agradecemos penhoradamente, num misto de satisfação e orgulho, a enorme participação prestada a este Passatempo enviando a todos uma fraterna saudação.

Luis Milhano.

Destacámos os seguintes Amigos na modalidade - POESIA:

JOAQUIN ISQUEIRO - ADIAFA ADIADA

RITA CARRAPATO - CANTO O ALENTEJO EM SAUDADES

MARIA JOÃO BRITO DE SOUSA - ALENTEJO


Premiámos ainda nesta modalidade um trabalho muito personalizado:

FERNANDO MAXIMO - AVIS É ALENTEJO


Iremos tentar colocar todos estes trabalhos na sequência do anunciado. Se não for possível devido a condicionalismos do Facebook publicaremos logo de seguida em nome individual.


“ ADIAFA ADIADA “


Grita o montado chora o azinho,
De ti ausente, tolhe-me a mágoa,
Num céu sem nuvens, enxuto de água,
Quando te deixo, dói-me o caminho.

Vão-se-me os olhos pelas lavradas,
Sulcos abertos, terra carente,
No chão padrasto cai a semente,
Arde o restolho pelas queimadas.

Sob o sol ímpio, bebes suor,
Lento rebanho pastando esperança,
Que é do tamanho da confiança,
Nos olhos negros do seu pastor.

Encolhe a sombra pelo meio-dia,
O tempo para no seio do acarro,
E o pastor sente, com o chaparro,
Dentro do peito, melancolia.

A calma acende o meu desejo,
Abre a papoila, cheira a anis ,
Resiste a esteva em seu verniz,
Junto aos loendros, espiga o poejo.

Terra sem dono, bom Alentejo,
Luta de azinho, paz de oliveiras,
Aberta à vida nas sementeiras,
Pela adiafa , espera o ensejo .


Joaquin Isqueiro




CANTO O ALENTEJO EM SAUDADES

Era ontem esteira de searas
prodigioso leito
onde os astros se deleitavam.
O sol impunha-se, bramia
e crestava-lhes as espigas.
Incendiadas pelo fogo soprado
entregavam-se a mãos alentejanas
que se rendiam fiéis ao seu desejo.

Ao render da tarde
o voo libido da cegonha
convidava ao cio da terra.
O húmus, submisso,
entregava-se à ternura da lâmina da enxada
e as dores, arrecadadas no silêncio da terra,
eram cicatrizadas com a saliva das papoilas.

Quando a noite se começava a desenfronhar
os pardais aninhavam-se no cimo do moinho
e rasgavam o silêncio teimoso da planície
que saciada, teimava em adormecer ao tacto da brisa.

Hoje é esteira de melancolia
onde os corvos grasnam sobre a aridez
e as rolas suspiram os seus gemidos.
Nas veias da febril planície
correm apenas versos tristes,
cantados em pranto
à boca de cada madrugada.

De garganta apertada
empresto o meu canto ao Alentejo
para escrever um poema
a ranger de recordações em forma de saudade.

Rita Carrapato





Alentejo das gentes castigadas,
Dos sobreiros reinando nas planuras
E das vozes dolentes, bem timbradas,
Que falam de alegrias, de amarguras…

Alentejo das searas espraiadas
Pl`o trigo inacabável das lonjuras,
Das casas pequeninas, bem caiadas,
Onde, à lareira, o povo queima agruras

Onde a gente se senta nos poiais
E esse tão-pouco nos parece mais
Do que o melhor que o mundo possa dar;

Vontade unida em vozes tão plurais
Faz-nos saber que não será demais
O que homens e mulheres não vão calar


Maria João Brito de Sousa






MODALIDADE POESIA (DÉCIMAS)

TITULO: AVIS É ALENTEJO

Mote:

Avis, és como um jardim
Semeado no cabeço;
Comprava-te só p’ra mim
Se soubesse qual o preço!

Ao subir por tantas ruas
Nunca me sinto cansado
Fico até extasiado
Com essas belezas tuas;
Lembram regos de charruas
Que se perdem sem ter fim
E ao ver-te tão linda assim
Eu dou comigo a pensar:
Se te posso comparar
Avis, és como um jardim!

Adivinham-se labores
Nas tuas casas baixinhas
Cheias de cal, tão velhinhas
Onde se abrigam pastores;
Camponeses, benfeitores
A quem rendo o meu apreço;
Mas é a ti que ofereço
O que faço de mais belo:
Os versos ao teu castelo
Semeado no cabeço!

Subo à Torre da Rainha
Desfruto a tua paisagem
E vou poisar na Barragem
Esta ansiedade minha;
Só de lá saio à tardinha
Quando o sol se põe, carmim;
Oiço o cantar do chapim
Que entoa por todo o lado,
Se tivesse outro ordenado
Comprava-te só p’ra mim!

Vejo campos de trigal
Dando vistas p’rá Figueira,
E p’rós lados da Ribeira
Eu vislumbro o Ervedal;
De beleza sem igual
Provando que não te esqueço
Eu compro, porque mereço,
Onde a vista se coloque:
…Eu comprava até S. Roque,
Se soubesse qual o preço!

Autor: FERNANDO MÁXIMO (AVIS)








PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO" - MODALIDADE FOTOGRAFIA

CABE HOJE APRESENTAR OS VENCEDORES DA MODALIDADE FOTOGRAFIA DO NOSSO PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO" :

JORGE CAMPANIÇO

LINO ROSA

LINO MARMELEIRO


O Júri teve de apreciar uma enorme quantidade de fotos, fruto duma excelente participação nesta modalidade.

Saudamos e agradecemos aos vencedores e a todos quantos connosco colaboraram.


Jorge Campaniço






Lino Rosa




Lino Marmeleiro







Prosseguimos a apresentação dos vencedores do Passatempo "LEMBRANDO O ALENTEJO", hoje na modalidade de Pintura com todas as condicionantes que um trabalho destes oferece de ser apreciado através de fotografia.

Na modalidade de PINTURA apresentamos:

MARIA ROSA CASQUINHA LAVADO com uma AGUARELA - e o título : RUA DE MONSARAZ.

PATICO com uma Técnica Mista sobre tela de 1,00 X 0,60 e o título SOB O TEU NOME ALENTEJO.


NÍDIA MAXIMO com uma pintura a óleo sobre tela e o título : RECANTO DA MINHA ALDEIA.


O Grupo ALENTEJANOS NO FACEBOOK agradece a colaboração de todos que colaboraram nesta modalidade. A nossa saudação.



Maria Rosa Casquinha Lavado - Rua de Monsaraz







Patico - Sob o teu nome Alentejo




Nídia Máximo - Recanto da Minha Aldeia






ALENTEJANOS NO FACEBOOK - PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO"

VIDEO DE OURO

O Júri decidiu, por unanimidade, atribuir o título de VIDEO DE OURO ao trabalho apresentado pelo Amigo ANTÓNIO CAEIRO a quem endereçamos os nossos parabéns e o agradecimento pela sua colaboração.

ALENTEJO


ALENTEJO






Continuamos a apresentar os primeiros classificados do nosso Passatempo "LEMBRANDO O ALENTEJO".

Hoje na modalidade VIDEOS temos NATALIA VALE - MARIA LUCILIA CAMPOS - ANA RITA PEREIRA.

O Grupo ALENTEJANOS NO FACEBOOK envia uma saudação muito especial a estas Amigas e um muito obrigado pela colaboração.

Nota: Espero que a colocação destes vídeos seja de molde a poderem ser vistos. Demorarão por certo mais tempo a abrir.

NATALIA VALE - ALENTEJO




MARIA LUCILIA CAMPOS - A FEIRA DO MONTE

A FEIRA DO MONTE


ANA RITA PEREIRA - LEMBRANDO O ALENTEJO

LEMBRANDO O ALENTEJO







Iniciamos hoje, 21 de Setembro, a publicação dos trabalhos apresentados pelos nossos Amigos, participantes do Passatempo "LEMBRANDO O ALENTEJO". Começamos pelo Artigo de Opinião vencedor desta modalidade. É seu Autor HERNÂNI MATOS a quem enviamos um abraço de parabéns.

NÓS OS SUBVERSIVOS DO FACEBOOK


Perfilho há muito a ideia de que é necessário estabelecer pontes de entendimento entre as pessoas. Cada
um de nós não está atomizado na sua individualidade, uma vez que a própria vida se encarrega de nos
integrar em múltiplos grupos com características diversas, nem sempre convergentes.
Alguns grupos são fechados, com códigos de conduta rígidos que a pretexto da pureza de princípios, os
incapacitam de dialogar com os restantes. Entre grupos fechados só são possíveis conversas de surdos, já
que como não se ouvem uns aos outros, não sabem o que os outros dizem.
Uma atitude distinta é cada um de nós e os grupos em que se insere, procurarem ouvir os outros para
perceber o que eles dizem, pensam e querem. Como retribuição podem ser ouvidos e os outros ficarão a
saber o que dizemos, pensamos e queremos. É possível então chegar à conclusão de que partilhamos
algumas ideias comuns, o que torna possível construir algo em conjunto, facto que introduzirá laços de
união entre nós. É a unidade na diversidade.
Com o tempo é possível que a área de partilha aumente, mas também é possível que não. Porém, ficámos
a saber o que os outros pensam e a respeitá-los porque nos respeitam a nós. E uma coisa é certa, a
partilha é só de coisas que nos unem, não de coisas que nos separam. Podemos com outros partilhar
amigos, se não todos, alguns. O que não somos é obrigados a partilhar os adversários. Isso é terreno que
não é partilhável.
Uma das muitas coisas que partilho com os outros é a escrita, instrumento de libertação do Homem. Filho
de alfaiate, aprendi a alinhavar palavras, que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. Esse
o sentido da minha intervenção na blogosfera.
Furiosamente independente, procuro ser sempre incisivo, cáustico quanto baste, mas sempre preciso.
Modéstia à parte, tenho formação dura de físico teórico e fui treinado para pensar.
Procuro levar tudo às últimas consequências e como atirador franco do pensamento e da acção, procuro
fazer o varrimento da transversalidade dos saberes.
Depois disso, a síntese dialéctica é um ovo de Colombo nascido no cú da galinha da minha cabeça.
É isso o rigor? Então que seja!
Que a minha galinha continue a pôr ovos, por muitos anos e bons.
E desses ovos faremos suculentas e perfumadas omeletas verbais, que regaladamente trincharemos,
sentados à mesa DO TEMPO DA OUTRA SENHORA, do CLUBE ROBINSON, dos ALENTEJANOS NO FACEBOOK,
dos AZULEJOS PORTUGUESES e noutras mesas mais, onde habitualmente abancamos, degustamos e
partilhamos saberes.
Nós somos os subversivos assumidos do Facebook, que apostámos forte em mudar a cara deste livro, o que
diariamente fazemos com determinação, audácia e comunhão.
Nós, operários da palavra, homens e mulheres deste país, velhos e novos, tradicionalistas e alternativos,
crentes e descrentes, de direita ou de esquerda, monárquicos ou republicanos, somos um paradigma do
que são as potencialidades de redes sociais como o Facebook.
Comunicamos uns com os outros e partilhamos ideias e pensamentos, feitos de palavras, imagens e sons.
Aprendemos a respeitar-nos uns aos outros e a ter em conta a opinião do interlocutor. E passamos a fazer
caminhadas comuns até onde é possível fazê-lo, de livre vontade e sem constrangimentos.
Talvez estejamos as lançar os alicerces dum mundo novo, nós os subversivos do Facebook.

Hernâni Matos







CERTIFICADO DE PARTICIPAÇÃO ENVIADO A TODOS QUE COLABORARAM NESTE EVENTO.










Hora
Quarta-feira, 31 de Agosto às 12:30 - 18/9 às 23:30
Local
GRUPO ALENTEJANOS NO FACEBOOK
Criado por
Luis Milhano
Para ALENTEJANOS NO FACEBOOK


ATÉ 18 de SETEMBRO CONTINUA O PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO".

AS MODALIDADES SÃO:

FOTOS - POESIA - PROSA - ARTIGO DE OPINIÃO - PINTURA - VÍDEOS - MÚSICAS -

Cada Participante poderá enviar um único trabalho por cada modalidade.

DEVERÁ ENVIAR OS SEUS TRABALHOS PARA O SEGUINTE ENDEREÇO:

alentejanosnofacebook@gmail.com

GRATOS PELA SUA PARTICIPAÇÃO.

Luis Milhano

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